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Críticas

No Meio do Mundo

Pernambuco, para o mundo

Por Luiz Joaquim | 16.07.2010 (sexta-feira)

O novo filme em cartaz no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco (Recife), o documentário franco-brasileiro “No Meio do Mundo” (Pusque que nous sommes nés, 2008) é daqueles trabalhos que coloca no limbo, com elegância, aquele conceito cansado pelo qual costumamos definir a ficção e o documentário no cinema. São várias (e vários exemplos já vieram) mostrando a fragilidade desses conceitos mas, o diferencial de “No Meio do Mundo” é que a forma não está em função da própria forma, mas sim de algo maior, que é a sua razão de existir, ou seja, seu objeto: os meninos Cocada, 14 anos, e Nêgo, 13, moradores de São Caetano, município no Agreste do Ipojuca, a 148 quilômetros do Recife.

Isso significa que a câmera “invisível” no filme – ela está lá, mas nenhum dos personagens parece se importar com ela – não nos chama a atenção para a sua invisibilidade. E, exatamente por isso, seus personagens, nos são assombrosamente apresentados numa intrigante naturalidade cuja consequência é nossa genuína comoção.

Nessa naturalidade, os diretores Jean-Pierre Duret – engenheiro de som que já trabalhou com Claude Chabrol e os irmãos Dardenne – e a urbanista brasileira Andréa Santana registraram conversar tão fluídas entre os dois meninos que alguns diálogos, paradoxalmente, nem paracem naturais, mas preparados por um roteirista interessado em impactar pela maturidade antecipada das crianças.

Por um processo silencioso, como um olho que está atento a tudo, “No Meio do Mundo” já abre testemunhando uma situação tensa, temerosa. Mostra crianças, por volta de seus cinco ou sete anos, brincando sozinhas à beira de uma rodoviária cujo tráfego, particularmente de caminhões, é intenso e violento na velocidade. Essa não interferência da câmera e o conforto dos pequenos mesmo sob a presença colada da câmera dá o tom perfeito do que virá pela frente.

E o que é oferecido é exatamente uma imersão nos sonhos frustrados dos amigos Cocada e Nêgo a partir de seu cotidiano, que inclui passar a noite num posto de gasolina à beira da estrada e o dia fazendo pequenos trabalhos para levar dinheiro para casa. As funções de Cocada incluem transportar porcos, trabalhar num forno e lavar caminhões.

No registro, não há restrições no que diz respeito a desesperança e rudeza da vida. Para Cocada, em suas palavras simples, não há interesse em viver. “Se é para viver assim, prefiro tomar veneno”, diz sem nenhum melodrama e olhando para o vazio, enquanto conversa com um caminhoneiro que assumiu como a figura paterna, uma vez que viu seu próprio pai morrer em seus braços.

Nêgo, por sua vez, com seu carro-de-mão, transporta os alimentos das frequentadoras de uma feira livre em troca de R$ 2, e escuta sermão daqueles que lhes dão esmola no posto de gasolina, como a do protestante que avisa “Deus tem um destino para a sua vida”. Outro adulto lhe aconselha que ele tem mais é de aproveitar a infância, só brincando e estudando. O conselho vem seqüênciado por uma imagem impiedosa da irmã pequena de Nego lavando dezenas de pratos em sua casa miserável, enquanto conversa com a mãe, com olhos de esperança, sobre como é a sensação de encontrar o homem de sua vida.

Exibido em Veneza 2008, “No Meio do Mundo” foi rodado em 2006, o que lhe valeu também registrar a passagem do então candidato à Presidência da República Luís Inácio Lula da Silva em campanha por São Caetano. Esse teatro que invade a cidade em período eleitoreiro contrasta ainda mais, como um acinte pelas promessas dos candidatos com a situação desesperada dos personagens.

Numa sequência em que um caminhão pipa chega a comunidade que o espera com de mulheres armadas com tonéis e baldes, há uma corrida e luta radical que, ironicamente, faz lembrar outro filme que entrar em cartaz hoje, “Encontro Explosivo”, com Tom Cruise como um agente secreto. Mas, a verdade é que, Cruise não teria nenhum chance nesse embate contra as mulheres de São Caetano.

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