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Reportagens

O Som ao Redor – filmagens

O som de Kleber Mendonça Filho

Por Luiz Joaquim | 02.08.2010 (segunda-feira)

Coerência. É o mínimo que se pode esperar com segurança de “O Som ao Redor”, primeiro longa-metragem de ficção dirigido por Kleber Mendonça Filho, que segue em filmagens até 24 de agosto entre Setúbal e Boa Viagem, no Recife. Quando a Folha de Pernambuco esteve sexta-feira no set de filmagens – mais especificamente no edifício João Costa, número 712, da rua Tenente João Cícero – uma tomada da captação de imagens feita naquela manhã chamou a atenção para a semelhança com “Homem de Projeção”, curta-metragem de Kleber feito 1992 (veja em www.vimeo.com).

Nele, o ainda estudante de jornalismo abre o filme com um lindo travelling (movimento em que a câmera se movimenta suavemente no espaço) fazendo um longo passeia pelo interior do Cine Art Palácio – sala que foi fechada um ano depois.

De volta a 2010, temos 60 técnicos formando a equipe de o “O Som ao Redor”, que administram uma brincadeira com 24 crianças e babás no condomínio citado enquanto Fabrício Tadeu, o mais respeitado operador de steady cam do País (equipamento que desloca peso da câmera facilitando travellings) “flutuando” virtuosamente pelo interior do condominio.

“Me interessa filmar os espaços e como as pessoas se deslocam nestes espaço. Este é um conflito interessante e universal. E quando temos uma arquitetura que conflitua com o humano, que acontece muito no Recife, isso fica ainda mais interessante”, explica o cineasta que antes de estudar jornalismo, pensou em ser arquiteto.

Os 18 anos que separam os dois filmes incluem também, para o último, R$ 1,6 milhão para sua produção e 70 atores em cena sob as ordens da diretora de produção Brenda da Mata e a 1ª assistente de direção Clara Linhart (de “Tropa de Elite”). Além de, claro, a consolidação de uma carreira como respeitado crítico de cinema construída por Kleber e, em seguida, como realizador premiado internacionalmente.

Com tantas referências, perguntamos se a expectativa generalizada é algo que tem pesado durante a confecção deste primeiro longa. “Estou bem tranquilo e sem grandes medos de errar. As coisas acontecem de forma orgânica e, de certo modo, já vivi os dois lados desse processo cinematográfico”, explica o diretor, referindo-se ao ato de criar e de criticar cinema. E continua: “Além disso, fico cada vez mais satisfeito com os resultados. Vimos um copião de teste de imagens e o material agradou bastante”.

A afirmativa de Kleber pode ser confirmada pelo seu sorriso tranquilo enquanto almoça na casa base da produção, em Setubal, assim como o da própria equipe que traz nomes como a produtora Emilie Lesclaux, Juliano Dornelles na direção de arte, Daniel Bandeira como continuísta, e Pedro Sotero como diretor de fotografia, entre outros talentos.

Sotero, que co-protagonizou o curta-metragem de Kleber “Noite de Sexta, Manhã de Sábado” em 2006, conversou como a Folha como diretor de fotografia de um longa de ficção pela última vez em 2005, por “Amigos de Risco”, de Bandeira. De lá até aqui, Pedrinho, como é conhecido, também foi o responsável pelas imagens dos documentários “Um Lugar ao Sol”, de Gabriel Mascaro, e “Laura”, de Fellipe Barbosa. Mas, “O Som ao Redor” é, sem dúvida, o maior projeto que o fotógrafo encara. E se considerarmos que as filmagens são em película, no formato cinemascope (dimensões do quadro em 2,35 : 1), tudo fica mais delicado. Mas, tranquilo, Pedrinho (que montou sua própria equipe) diz que o desafio maior aqui é conseguir administrar as filmagens estando suscetível ao clima do Recife.

Kleber, todavia, lembra que não dá para filmar tanto, e liga-se a câmera apenas quando se tem certeza do que quer. “O máximo de tomadas que repetimos foram sete vezes. E é preciso seguir os planos do roteiro religiosamente, mas também com liberdade para os atores criarem dentro dele”, diz.

Outro aspecto que redobra a atenção de Pedrinho é a opção pelo techniscope, formato criado na Itália dos anos 1960 (vide faroestes de Sérgio Leone) pelo qual o filme avança economicamente na câmera por duas perfurações, quando o normal e correr em quatro. Com isso se ganha “mais” filme, mas tendo um défict na qualidade da imagem. “Hoje, entretanto, essa qualidade é recuperável pela tecnologia e a perda é ínfima”, adianta Kleber.

Um aguçado olhar sobre Pernambuco
Mas, sobre o que é mesmo “O Som ao Redor”? “Nem eu mesmo sei direito sobre o que é o filme”, diz brincando Kleber, que pediu a equipe discrição sobre divulgação de detalhes do enredo. O cuidado é por saber que tem nas mãos um produto rico em leituras que, se mal descrito, pode conduzir a interpretações reduzidas.

Por ter a maior parte filmada na região de Setúbal, Recife, Kleber aceita que relacionem “O Som ao Redor” com o curta “Eletrodoméstica” (2005), rodado no mesmo lugar. Mas avisa: “O tom é diferente. O caso é que o filme não é sobre Setubal, mas sobre o Brasil, sobre um estado de espírito”. Fica a dica do próprio Kleber sobre a melhor idéia a respeito do filme: “É como um tubarão com vários peixinhos ao lado dele, que se alimentam da mesma coisa”.

Quem fala um pouco mais sobre isso é um dos peixinhos do filme. No caso, o também cineasta, aqui como ator, Gustavo Jahn, natural de Florianópolis, que conheceu Kleber no festival de cinema de Santa Maria da Feira, Portugal, em 2008. Vivendo no exterior desde 2003, Gustavo interpreta João, um pernambucano que também viveu fora e tem um relação forte com seu bairro e sua família. “Tem uma dubiedade boa no personagem pois ele é enraizado, mas sua visão da situação é externa, e sem tentar mudar o panorama”, explica Gustavo, que divide o elenco com Maeve Jinkings, Irandhir Santos, J.W. Solha e Irma Brown.

Do ponto de vista narrativo, Kleber se diz cada vez mais interessado em momentos que se bastam em sua própria lógica de tensão, “quase como se eles pudessem funcionar isolados no Youtube, por exemplo, mas que no final, reunidos, façam coerência”. Aquela mesma que se observa na carreira do cineasta, como dissemos no início desta reportagem.

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