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Críticas

34a Mostra (2010) – Tio Boonmee

Ninguém está preparado para Tio Boonmee

Por Luiz Joaquim | 03.11.2010 (quarta-feira)

São Paulo (SP) – Pode-se dizer tranquilamente que ninguém está preparado para receber o que o cineasta tailândes Apichatpong Weerasethakul tem a oferecer no seu novo filme “Tio Boonmee que Pode Recordar suas Vidas Passadas” (Loong Boonmee raleuk chat), Palma de Ouro em Cannes, há cinco meses.

Mas não é só pelo troféu mais cobiçado do mundo que o publico desta 34ª Mostra Internacional de Cinema de SP tem esgotado rapidinho os ingressos. Eles sabem que Apichatpong – ou apenas Pingpong, como tem sido carinhosamente chamado nos bastidores (em Cannes era chamado de Joe) – é um cineasta que tem muito a nos oferecer e a nos ensinar.

Aos 40 anos, é dono de seis longas-metragens absolutamente coerentes em sua proposta observacional e contemplativa sobre a vida, sempre cercada pela abundância da natureza. Nos mundos que cria, qualquer tentativa de explicação cartesiana soará como piada mal contada. O seu tio Boonmee, por exemplo, é apenas um fio condutor que amarra o olhar poético, e de extrema delicadeza visual, que Apichatpong possui sobre a cultura de seu país e sobre a vida.

Nas dicas do enredo, o velho Boonmee tem sérios problemas renais e vai a casa da irmã, numa floresta, onde encontra o espírito de sua esposa, falecida há 19 anos, e também seu sobrinho, antes desaparecido e agora de volta na forma de um criatura melancólica e assustadora. A inteligência do diretor tailandês está não só na capacidade de criar tensão e envolvimento com parcos recursos de efeitos visuais, mas em desenvolver uma história tão fabulosa e fantástica que, na mesma medida que intriga (nos remetendo a medos infantis), mas também envolve, seduz e encanta.

Essa inteligência faz pensar o quanto Hollywood está defasada em termos de competência imaginativa, quando gasta milhões em efeitos especias para criar um mundo irreal, enquanto Apichatpong usa o nosso próprio mundo para nós fazer enxergar um outro. É possível que alguém veja em “Tio Boonmee…” referências tão distintas como a “Blow-Up”, de Antonioni, ou “La Jetée”, de Chris Marker, o que só torna a obra do diretor ainda mais univesal e moderna, mesmo que nela o assunto seja a relação de uma princesa envelhecida com um peixe no rio.

Visto o filme, fica uma sensação de que todos os outros filmes ao seu redor encolheram; mas também a agradável sensação que aquele cinema com a capacidade de nos deixar estupefato não morreu. Pelo contrário, Apichatpong aponta um caminho aberto e excitante. É, enfim, bom saber que Pingpong existe, ou melhor, Apichatpong existe.

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