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Críticas

Marie-Jo e Seus Dois Amores

Assuntos de amor são, enfim, difíceis.

Por Luiz Joaquim | 10.11.2011 (quinta-feira)

– texto originalmente publicado em 23 de maio de 2003 no Jornal do Commercio (Recife).

O 56º Festival de Cannes fervilha e, curiosamente, Recife exibe dois filmes que perturbaram o júri na edição anterior do festival Francês. Um deles é o Homem Sem Passado, em sua segunda semana no Cinema da Fundação, e o outro chama-se Marie-Jo e Seus Dois Amores (Marie Jo et Ses Deux Amours, França, 2002). Esse último, de Robert Guédiguian (com estréia amanhã, também no Cinema da Fundação) causou estranhamento, pelo seu desfecho inesperado, quando foi exibido na mostra competitiva do evento. A surpresa, entretanto, não atingiu o público quando o longa estreou no circuito francês. Acabou por receber vários elogios da crítica e do espectador comum.

Guédiguian ambienta seu filme em Marselha, mesma espaço urbano onde rodou a produção anterior A Cidade Está Tranqüila – obra de crivo crítico sobre a antiglobalização, pontuado com alto teor humano. No novo trabalho a carga política é menor (mas não isenta). A Marie-Jo do título (vivida pela ótima Ariane Ascaride) é uma mulher em comunhão com o dedicado marido (Jean-Pierre Darroussin) e a filha adolescente. Mas ela tem um amante (Gérard Meylan) por quem, igualmente, lhe tem amor.

O drama de Marie-Jo é o de uma humanidade regida por uma sociedade monogâmica. O de ser obediente a uma único amor, e ter de assassinar esse mesmo sentimento caso seja despertado por outra pessoa. Tentando jogar um olhar além da etiqueta e moral social (mas sem emitir nenhum julgamento), Guédiguian aperta o interruptor para iluminar uma situação pavorosa: o de dispormos apenas de uma vida e, socialmente, não poder acumular amores. Vivê-los apenas um de cada vez.

Há uma outra camada de terror nessa situação: a de não poder dividir a proibida felicidade com o outro que se ama. Certamente a percepção desse problema seja melhor captada por quem já o vivenciou, mas um dos méritos do diretor é colocar no mesmo nível, ao alcance do espectador, a grandeza da angústia e felicidade de Marie-Jo quando está ao lado de seus dois amores.

O comovente desfecho, que pegou de calças curtas o júri de Cannes em 2002, apresenta uma solução sobre-humana. É como se Guédiguian dissesse que certas soluções estão fora do alcance da racionalidade, e só uma medida drástica pode dar fim a um sofrimento ou a uma felicidade gigantesca. Assuntos de amor são, enfim, difíceis.

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