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Críticas

Cabra Marcado para Morrer (2013)

Clássico de Eduardo Coutinho é relançado em cópia nova

Por Luiz Joaquim | 05.04.2013 (sexta-feira)

Se fosse promovida uma enquete com especialistas brasileiros em cinema, pela qual lhes fosse perguntado quais dez filmes nacionais eles salvariam para a eternidade, é bem provável que “Cabra Marcado para Morrer (Bra., 1964-1984), de Eduardo Coutinho, estivesse na lista de quase todos os entrevistados.

Entrando em cartaz hoje no Cinema da Fundação, a partir de um cópia restaurada pela Cinemateca Brasileira, “Cabra…” é uma espécie de “marco zero” para o conceito de documentário moderno no Brasil. Iniciado em 1964, retomado em 1981 e lançado em 1984, a produção viria a se tornar uma espécie de síntese social da história do Brasil e da possibilidade que o nosso cinema podia alcançar nestas suas duas décadas de gestação.

Em seu trabalho mais celebrado, Coutinho contaria a história política do líder da liga camponesa de Sapé (Paraíba), João Pedro Teixeira, assassinado em 1962. Dois anos depois, o Golpe Militar de 1964 interromperia as filmagens do cineasta dia 1° de abril no Engenho Galiléia (Pernambuco). Passam-se 17 anos e Coutinho volta ao Nordeste quando reencontra a viúva do lider camponês, Elisabeth Teixeira, vivendo então na clandestinidade no Rio Grande do Norte, além de outros camponeses que atuaram na dramatização interrompida.

Em vário aspectos, “Cabra…” é um divisor de águas entre os documentários no Brasil. É agil e funciona de forma reveladora não só do ponto de vista cinematográfico, mas também político. É um trabalho sempre atual (o que caracteriza um clássico) nesta suas duas vertentes de produção audaciosa que é. Há ainda o campo humano, que o filme deixa “entrar” em cena na medida em que o cineasta faz as conexões via tecnologia da época (fotografias, fita cassete) entre mãe e filhos separados há 17 anos. Não se pode esquecer também a possibilidade do encanto que o cinema oferece, e Coutinho mostra tal sentimento de forma explícia, quando permite que seus “atores” de 1964 vejam, pela primeira vez, em 1981, as imagens deles mesmo num cinema improvisado.

Consuelo Lins, colaboradora em vário filmes de Coutinho, conta em seu livro “O Documentário de Eduardo Coutinho: cinema, televisão e vídeo” (2006) que foi no final dos anos 1970 que o cineasta deu partida na ideia de retomar o projeto de “Cabra…”. Era um trabalho que não lhe saía da cabeça. Em suas palavras: “um troço do fundo do coração, um pesadelo, um dor no fígado, um negócio brutal”. Se ele não o fizesse “ficaria envenado para sempre”.

Tanto que em 1979 Coutinho começou a organizar o material que se salvou “milagrosamente” – as latas de filmes ficaram anos debaixo da cama do pai do cineasta David Neves. Sabe-se que o trabalho de Coutinho no programa “Globo Repórter”, da TV Globo, foi fundamental para que “Cabra…” fosse realizado. Não porque a emissora apoiásse o projeto (não verdade, nem sabia de sua existência), mas por ter dado a oportunidade ao Coutinho de voltar ao Nordeste por meio do telejornal.

Para tocar o filme de sua vida, o diretor saiu dois meses de férias e investiu o próprio dinheiro nas novas imagens entrevistando Elizabeth no Rio Grande do Norte e sua família espalhada entre Pernambuco, Paraíba e Rio de Janeiro. Quando o recurso acabava, parava dois meses. Se acabava novamente, parava mais três meses.

Nesta versão restaurada, Coutinho pediu para incluir os agradecimentos, entre outros, a Carlos Augusto Calil, diretor da Embrafilme em 1981 – que financiou a maior parte das filmagens em sua segunda etapa. Foi Calil também quem deu a ideia a Coutinho para projetar as imagens feitas em 1964 para Elizabeth e os camponeses. Não podia haver melhor conselho.

Assim o filme foi lançado em 1984 na primeia edição do extinto Rio Cine Festival, dando início a uma carreira de sucesso – levando, por exemplo, o Prêmio Internacional da Crítica (Fipresci) no Festival de Berlim em 1985. E vem até hoje, formando ao longo dos anos, sua crescente e consistência importância na história do cinema brasileiro.

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