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Críticas

O Lugar Onde Tudo Termina

Épico familiar

Por Luiz Joaquim | 21.06.2013 (sexta-feira)

Lá pelo século 15, os artistas plásticos que atendiam à igreja católica desenvolveram uma nova estrutura pela qual três pinturas se complementavam e formavam um único quadro. Era o tríptico, uma moldura que permitia uma visão mais abrangente da três situações proposta e que se relacionavam entre si, ao mesmo tempo em que possuíam individualmente suas próprias mensagens.

É como um tríptico cinematográfico que se apresenta “O Lugar Onde Tudo Termina” (The Place Beyond the Pines, EUA, 2013), terceiro longa-metragem de Derek Cianfrance. O Brasil o conhece pelo seu anterior “Blue Valentine” (2010), que apresentava o casal vivido por Ryan Gosling e Michelle Williams nos mostrando o temporalmente embaralhado começo e fim de um romance.

Antes de seu lançamento, o filme ganhou uma publicidade que o elevava a uma altura, em função da propalada livre performance do casal, que não era digna do filme como um todo. O resultado da perigosa insuflada foi deixar a imagem de Cianfrance como a de apenas mais um jovem cineasta pop.

Com o “O Lugar Onde Tudo Termina” a coisa mudou. Cianfrance fez o caminho inverso. O filme surgiu discreto no circuito internacional e mostrou-se dono de um vigor cinematográfico e humano como há muito não se vê no cinema independente norteamericano.

Longe da camuflada objetividade vista em “Blue Valentine”, o novo filme usa a noção de paternidade como mote, mas dela deriva para um vasto terreno onde estão plantadas questões sobre ética, moral, culpa, herança e, para quem acredita, destino.

E o melhor, Cianfrance não impõe valores pré-concebidos aos seus personagens. Mesmo porque, “O Lugar…”, tríptico que é, desenvolve-se em três tempos distintos e nestes tempos, seus personagens mudam, evoluem. O primeiro tempo é há 15 anos, pela perspectiva do fora-da-lei Luke (Ryan Gosling). O segundo pela ótica do policial Avery (Bradley Cooper), e o terceiro nos dias de hoje.

Com três protagonistas distintos, as três peças deste tríptico podem ser olhadas de fora, fazendo sentido isoladamente. Cada uma das partes acompanha a intenção muito particular de seus protagonistas. É assim que, à medida em que segue adiante, “O Lugar…” desestabiliza seu espectador, sem fazê-lo perceber para onde o está levando.

Isto poderia até ser um problema, mas apenas se a estrada por onde somos guiados não fosse absolutamente bem controlada e sedutora pela direção de Cianfrance e seu roteiro co-escrito com Ben Coccio e Darius Marder.

Crédito também para as performances de Gosling e Cooper, que parecem estar sempre questionando os limites de seus personagens e nos desequilibrando no nosso julgamento; e para os jovens atores Dane DeHaan e Emory Cohen, estes donos de uma incrível maturidade na composição sem excessos de seus adolescentes. Há ainda a fotografia de Sean Bobbit (o mesmo de “Shame”), que aqui aplica texturas diferentes para cada uma das três partes do filme.

Logo na sequência de abertura, o que se apresenta em foco é a imagem do tatuado motociclista Luke preparando-se para entrar no Globo da Morte. A hipnótica sequência do show é como um prenúncio de que pelas próximas 2h20min. não há como perder interesse pelo que se apresenta na tela.

A cidade onde a caravana em que Luke se apresenta é a mesma onde ele esteve há mais de um ano e, ao final do espetáculo ele encontra Romina (Eva Mendes) com quem teve um affair no passado. Ao descobrir que o bebê de Romina, hoje casada, foi fruto de seu anterior romance com ela, Luke decide estabelecer-se na cidade.

Ir adiante alem dessa problemática já posta não é necessário. Seria, na verdade, equivocado pois uma das belezas de “O Lugar Onde Tudo Termina” está nas surpresas de seu roteiro, tão conflituosos entre coerência e incoerência como só a vida em si costuma exemplificar tão bem.

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