X

0 Comentários

Críticas

A Grande Beleza

Uma vida, um deslumbramento

Por Luiz Joaquim | 17.01.2014 (sexta-feira)

Pobre Paolo Sorrentino. É fácil imaginar sua decepção quando, no passado, discutindo um ainda inicial argumento para o seu filme “A Grande Beleza” (La Grande Bellezza, Ita., 2013) – em cartaz hoje no Cine Rosa e Silva -, ter de ouvir deles a seguinte reação: “Mas Fellini já vez isto em -A Doce Vida-, e muito bem! De que adianta este projeto?”.

Por ironia, se Jeb Gambardella, o protagonista deste seu filme (vivido pelo ótimo Toni Servillo) estivesse no lugar de Sorrentino nesta situação, provavelmente deixaria a pessoa falando sozinha. Criado a partir de uma história original do cineasta – e roteirizado em conjunto com Umberto Contarello -, Gambardella é um erudito bon vivant italiano, o qual no filme, acompanhamos os arredores de seu aniversário de 65 anos.

Uma maneira preguiçosa de resumir o enredo da obra pode ser a seguinte. Após comemorar seu 65ª aniversário, numa festa de encher os olhos na abertura do filme, Jeb recebe a notícia do falecimento de seu primeiro amor da juventude. Descobre também que ela nunca o deixou de amar, mesmo que secretamente e casada com outro.

Famoso por ter escrito, há 40 anos, o respeitadíssimo livro “O Aparato Humano”, Jeb viveu toda a sua vida apenas da boemia. “Queria não apenas estar nas festas da alta sociedade, queria também ter o poder de faze-las não dar certo”, diz ele refletindo sobre a juventude.

Sem nunca ter casado ou concebido um filho, Jeb possui um ar irônico com o universo que lhe cerca, mas suas postura na verdade esconde um cansaço da própria vida que criou para si, ao lado de bajuladores que frequentam as gigantescas festas que oferece em sua cobertura em frente ao Coliseu.

Para exemplificar este cansaço de Jeb pela banalidade e decadência dos artistas, Sorrentino criou situações quase sarcásticas. “Quase” porque sabemos que absurdos assim também acontecem na vida real. Como colaborador de uma revista de alta cultura, ele tenta em vão tirar algo de significativo ao entrevistar uma performer cuja obra é se atirar, nua, de cabeça, contra uma parede.

Outra ironia está na criança que apenas quer dormir mas seus pais a obrigam a jogar tinta aleatoriamente numa tela, que depois valerá milhões no mercado de arte contemporânea. Uma cena muda e resumitiva desta sociedade que afunda sem perceber está em Gambardella contemplando o semi-afundado transatlântico que naufragou na costa da Toscana em 2012.

Pelo aspecto cinematográfico, “A Grande Beleza” não poderia ser mais coerente em sua audácia ao costurar sua história de modo a nos surpreender, em constante ritmo bem balanceado, com plástica e narrativa desconcertantes. A cada novo núcleo dramático que somos submetidos, cria-se um novo valor quase que autônomo em si.

Seja no truque de mágica com a girafa, seja na chegada de uma santa católica (Giusi Melo) em Roma, ou na conversa com a escritora medíocre e carregada de arrogância, Sorrentino amarra a tudo de forma que nos conduz coerentemente a mais séria das reflexões: qual o sentido disto tudo que chamamos “vida”?

Como tentativa de resposta, o belo está sempre num íntimo plano do protagonista. Livre de pudor ou culpa, ele diz para si mesmo, “nasci para a sensibilidade”. Algumas dicas desses raros e autênticos encantamentos que a vida oferece estão no acidental esbarrão que Gambardella dá na atriz Fanny Ardant (como ela mesma) caminhando solitário pela madrugada romana, ou quando se depara com meninas trelando num convento.

Mais que uma tentativa de resposta, Sorrentino nos diz que a razão pela qual vale viver está mesmo é no belo. Aquele que é sempre absolutamente atordoante e ao mesmo tempo fugidio, com todo o resto ao redor sendo um enorme blá, blá, blá. Filmar a vida é fácil. Já filmar seu mistério é para os grandes. Grande Paolo Sorrentino.

Mais Recentes

Publicidade