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Festivais

22. Cine-PE (2018) – noites 2 e 3

Santoro se emociona. Kis sorri. Christabel confunde. Rosemberg provoca e incomoda.

Por Luiz Joaquim | 03.06.2018 (domingo)

Na noite de ontem (2), o 22º Cine-PE: Festival do Audiovisual promoveu ao menos um momento bonito. Aconteceu na homenagem ao ator Rodrigo Santoro, cuja carreira atingiu um ponto de inflexão com Bicho de sete cabeças (2001), de Laís Bodanski; filme com o qual o ator esteve no mesmo festival recifense há 17 anos e daqui saiu premiado. Santoro ganhou o mundo a partir dali, tornando-se uma referência brasileira na indústria cinematográfica hollywoodiana.

O momento bonito veio do próprio Santoro, no palco do cine São Luiz (Recife), ao recordar a trajetória após a projeção do clipe homenagem feito pelo Canal Brasil. Emocionado, administrando a respiração para conseguir falar, e com os olhos lacrimejados, o ator lembrou de uma frase que lhe foi marcante – “eu sou o sócio majoritária de minha vida –, e que é importante sonhar, mas “suando a camisa”. Encerrou lembrando que todos somos responsáveis pelo destino do País.

Entre uma lágrima e outra do ator, a atriz Cássia Kis – que interpretou a mãe de Santoro em Bicho… – quebrou o protocolo e do meio da plateia correu ao palco, sem ser anunciada, gritando: “Vou entregar seu prêmio”. Kis, homenageada pelo festival na noite anterior, promovera também uma emoção autêntica – no caso uma alegria saltitante – ao descobrir que receberia o troféu Calunga de Ouro pelas mãos do ator Gabriel Leone, com quem ela contracenara na telenova da TV Globo, Os dias eram assim.

FILMES Este 22º Cine-PE encolheu em um dia de sua agenda original, em função do adiamento feito a partir da greve dos caminhoneiros. O resultado foi a concentração de dois longas-metragens por dia (além de curtas-metragens), que ocorram, no caso, nos dias de ontem e anteontem.

É uma pena. Numa programação competitiva extensa assim, o último longa-metragem programado acaba sendo, logicamente, prejudicado. Não apenas pelo pouco público que ainda permanece na sala por volta das 23h para acompanhar o último filme, mas pelo cansaço do júri, ali desde às 19h30.

No sábado (2), o filme que encerrava a noite era o bom Dias vazios (leia mais aqui), que vem de Goiás pelas mãos de Robney Bruno Almeida, em seu primeiro longa. A sessão de ontem foi a segunda do filme, cuja estreia aconteceu na 21º Mostra de Tiradentes, em janeiro. Antes, a competição de longas mostrou o documentário paulista Marcha cega, de Gabriel di Giacomo.

Aqui, Gabriel faz uma revisão com depoimentos de vítimas de agressão pela polícia militar nas diversas manifestações populares ao longo de 2013 até hoje. Sob imagens perturbadoras, escutamos vítimas e escutamos especialistas, como o cientista político e ex-secretário de Segurança Pública, Luiz Eduardo Soares.

No foco, a falta do cumprimento de normas ditadas pela própria PM no uso de armas não letais em manifestações, e os critérios escusos na formação dessa mesma PM, a partir de protocolos criados com base no Ato Institucional nº 5 (1968), pela ditadura militar. Como fio condutor neste enredo, o personagem central é encarnado pelo fotógrafo Sérgio Silva (que estampa o pôster do filme). Silva perdeu uma visão ao ser atingido por uma bala de borracha numa manifestação em 2013, lembrada como ‘Manifestação dos 20 centavos’.

Marcha cega renderia uma muito estimulante sessão dupla ao lado de Por trás da linha de escudos, pelo qual o diretor Marcelo Pedroso adota uma perspectiva filosófica sobre a instituição policial enquanto símbolo da repressão no Brasil. Leia mais aqui.

A atriz Mila Fernandez, como Christabel

Na sexta-feira, A competição de longas iniciou com Christabel, que veio do Rio de Janeiro pelas mãos do diretor Alex Levi-Heller. No enredo, a jovem Chistabel (Mila Fernandez) vive sozinha com o pai (Júlio Adrião) numa pobre casa na zona rural. Na expectativa do retorno do noivo (Alexandre Rodrigues), que viajou tangendo uma boiada, ela encontra Geraldine (Lorena Castanheira) uma mulher mais velha, estropiada e largada no chão, à noite, sozinha no mato.

Após receber abrigo e melhorar, Geraldine inicia rapidamente uma amizade com Christabel. Mais do que isso, uma ligação incomum, que abre a cabeça de Christabel para sua autonomia, inclusive sexual – “É bom quebrar um homem de vez em quando, só porque a gente pode”, sussurra na orelha de Christabel a mulher, enquanto dança abraçada a jovem.

Adaptado de um poema homônimo do século 19, escrito pelo britânico T. S. Coleridge, Christabel, o filme, segura muito bem a força da apresentação de seus personagens na primeira metade do filme. Com imagens belamente compostas, num enquadramento preciso, e de movimentos sem pressa do fotógrafo Vinícius Berger. Esse desenho visual conquista rápido o olhar do espectador para aquele universo (vez por outra atrapalhado por uma insistente trilha sonora).

Mas, a partir do despertar de Christabel pelas influencias de Geraldine – e também com o início de uma relação homossexual – o filme parece perder-se de seu ritmo e, ainda, do próprio discurso. Senão, vejamos: Geraldine é aquela que veio para despertar a consciência da pura Christabel e, do ponto de vista da emancipação feminina, temos aqui algo bastante pertinente. Mas, o próprio filme revela Geraldine como a encarnação do mal. Seria, então, algo próprio do mal emancipar-se como mulher?

Colado ao final de Christabel iniciou-se a projeção do novo filme de Luiz Rosemberg Filho. Dono de uma filmografia ao mesmo tempo contundente, erudita, provocadora e provocante, não se poderia esperar de Rosemberg nada suave neste novo Os príncipes.

Mas, ao final da sessão, a sensação deixada é a que o veterano realizador quis forçar ao máximo o aspecto doentio da violência. Mas é uma violência que remete, não esqueçamos, ao poder. Aqui quase como um espelho, a partir do microcosmo do filme, da violência pelo abuso de poder político e de poder de polícia que o brasileiro testemunha desde 2016.

No caso do filme, temos dois homens (os atores Igor Cotrim e Alexandre da Costa) que buscam duas prostitutas (Patrícia Niedermeier e Ana Abbott) para uma noite de prazeres e desprazeres. Ao contrário da Noite vazia, de Khouri, as reflexões dos dois casais não vêm da melancolia, mas da brutalidade. Ou melhor, elas (as reflexões) não vêm. A brutalidade gera mais brutalidade e os príncipes se regozijam disso.

Se no futuro algum pesquisador quiser saber, por meio de um longa-metragem ficcional, qual a o tamanho do vazio, qual o tamanho do que havia de inumano passando pela cabeça das autoridades do Brasil nos anos 2016 a 2018, Os príncipes seria um exemplo interessante de olhar.

Para o público feminino, Os príncipes deverá bater um tanto mais forte, numa camada mais delicada. As prostitutas vividas por Abbot e Niedermeier tem sua força e sua beleza (veja o balé de Niedermeier), mas também muita dor. Culmina o seu percurso com um desfecho trágico, encenado com uma virulência que faz o espectador se revirar na poltrona. É a bestialidade se expressando pela arte da encenação, numa entrega chocante, por Niedermeier em particular. Uma grande atriz, que infelizmente não veio ao festival, como também não veio Rosemberg, por questões de saúde.

Ana Abbott, Igor Cotrim e Alexandre da Costa, do elenco de “Os Príncipes”, em debate no 22º Cine-PE (fotos de Felipe Souto Maior)

 

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