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Críticas

Valentin

O encantamento de um anjo vesgo

Por Luiz Joaquim | 06.08.2018 (segunda-feira)

publicado originalmente no jornal Folha de Pernambuco em abril de 2004

Quando alguém vai ao cinema, espera-se que o filme lhe ofereça o mínimo de convencimento para uma realidade proposta. Isso pode ser traduzido através da congregação de um enredo envolvente com um roteiro fluente, mais boas interpretações agregadas a bons recursos técnicos como fotografia, música, continuidade, etc. Falando assim parece simples, mas não é. É cada vez mais raro encontrar filmes condensando esses princípios. Mas quem for para a sessão única de hoje na sala 5 do Shopping Recife irá encontrar Valentin (2002), obra argentina escrita e dirigida por Alejandro Agresti, que não só reúne os ingredientes de um bom cinema, como também sobre-eleva o estado de espírito do espectador como só a arte consegue.

A estrela do filme é o ator mirim Rodrigo Noya (no papel título do filme). Seu personagem tem oito anos e é criado por sua avó (Carmem Maura, de Mulheres a beira de um ataque de nervos) na Argentina do final dos anos 1960. Valentin é adorável. Com seu rosto redondo, olhos grandes e vivos por trás dos óculos de lentes grossas e moldura preta, o menino sonha em ser um cosmonauta, como o russo Iuri Gagarin. Ao mesmo tempo tem consciência que seus olhinhos vesgos podem atrapalhar seus planos no futuro.

É essa consciência entre sonho e realidade na cabeça do menino que conduz Valentin. A problemática não está na brincadeira de astronauta, mas no desejo do garoto em ter uma nova mãe, e ser criado novamente pelo pai que vive ausente desde que a esposa fugiu de casa. Na voz (em off) de Valentin conhecemos, durante todo o decorrer do
filme, sua perspectiva sobre os adultos.

Excetuando algumas falas “adultas” colocadas pelo roteiro na boca do estupendo atorzinho Rodrigo Noya, é encantador ouvir sua desenvoltura e desejo em parecer maduro perto dos adultos. Melhor ainda: é desconcertante vê-lo bolar planos para ajudar os adultos sempre atrapalhados, como a sua avó teimosa, seu pai intolerante e mentiroso, seu vizinho pianista sem jeito com as mulheres, ou ainda com a namorada de seu pai, bela e solitária.

Em cada situação criada pela história de Agresti para Valentin, deixa-se transparecer a personalidade pueril do menino. Um exemplo de sua bondade aparece quando inventa para o tio que lhe visita sobre estar gostando de uma menina no colégio só para lhe proporcionar um “assunto de homem”. Ou ainda quando, conversando com sua
possível futura madrasta, lhe faz chorar com sua sinceridade inocente para, em seguida, como um pequeno cavalheiro, lhe pedir desculpas por tê-la deixado triste. Tudo ressalta o encantamento do personagem.

Não se trata de um santo, esse moleque. Ele está mais para um anjo traquina que, ajudando os outros, tenta ajudar a si mesmo, sempre em busca da mãe biológica. Numa das mais comoventes sequências do cinema projetadas nos cinemas do Recife neste ano, Valentin põe em questão para a namorada de seu pai se sua genitora realmente o amava, já que o largou muito pequeno. A amiga adulta responde: “como alguém pode não lhe amar?”. O absurdo talento de Rodrigo Noya com a belíssima história de Alejandro Agresti nos faz perguntar, como é possível não gostar do filme Valentin?

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