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Críticas

O Doce Amanhã

Uma delicada obra sobre a perda.

Por Luiz Joaquim | 31.10.2018 (quarta-feira)

– Publicado originalmente em 20 de junho de 1998 no Jornal do Commercio.

Quem quiser viver emoção com um filme intrigante e com a medida certa para capturar sua sensibilidade, não pode deixar de conferir O doce amanhã (The Sweet Hereafter, Canadá, 1997), do diretor egípcio Atom Egoyan. A película marcou presença no festival de Cannes de 1997, e chamou atenção por lá; ganhando o prêmio de crítica internacional, do conselho ecumênico e o Grand Prix. Já na América, concorreu ao Oscar pelas categorias de melhor direção e roteiro adaptado (do livro homônimo de Russell Benks).

A sinopse do filme de Egoyan é extremamente simplória. Mas, é no modo como ele nos mostra o seu desenvolver que ela se revela grandiosa. Um acidente com um ônibus escolar, em uma pequena cidade do Canadá, mata catorze crianças. Entre o sofrimento dos parentes das vítimas, surge o advogado Mitchell Stephens (Ian Holm, de Alien – O 8º Passageiro, entre outros). Sua intenção é conquistar a confiança desses pais, órfãos dos seus próprios filhos, para mover uma ação contra o fabricante do veículo. Ele quer com isso, arrecadar um bom dinheiro e evitar que, no futuro, quando outras crianças forem tomar sua condução para a escola, não passem pelo mesmo que aquelas passaram.

Não pense, entretanto, que o filme será assim apresentado. Essa tradicional forma linear de contar estórias tem, no cinema, seus prós e contras. Egoyan desvencilhou-se dessa linearidade e criou um maravilhoso quebra-cabeça premeditadamente espalhado para que nós pudéssemos encaixá-lo.

Ele não deixa “o mais importante” para o final. TUDO IMPORTA. Também responsável pelo roteiro, Egoyan, teve a sensibilidade de poucos, e o dom dos iluminados, para conseguir emocionar o espectador com a dor de todos os envolvidos na história. Para fazer isso ele não usa nenhum subterfúgio baseado em efeitos especiais. Basta, por exemplo, combinar o olhar expressivo de uma criança, carregado de verdade, num contexto de honesta dramaticidade. Os personagens de O doce amanhã, a seu modo, revelam a falta que faz uma vida perdida. Nenhuma é menos importante que outra.

Como ele mostra isso sem pieguice? Simples (ou melhor…não tão simples). Ele alterna, todo o tempo, imagens, do passado e do presente, da vida de todos os personagens, inclusive a do protagonista (o advogado). Mitchell Stephens também não está livre do sentimento de perda. Gradativamente, o tênue relacionamento que mantém com sua filha vai se estreitando. Stephens culpa a si mesmo, sem saber onde errou, quando pensa que ela já não lhe suscita mais amor e sim ódio. E é através do ódio que os pais sentem, causado pela ausência dos filhos perdidos no acidente, que o advogado tenta administrar seu próprio demônio.

Um simples exemplo da habilidade de Egoyan em conduzir o filme, acontece quando, em OFF, ele contrapõe as palavras da personagem de Sarah Polley (uma garota que sobreviveu ao acidente) e utiliza, simultaneamente, imagens com a mesma garota, em outra situação, para “cobrir” o que ela falou. Tudo isso, acompanhado pela delicada música de Michael Donna.

A única coisa que nos resta a fazer é admirar, e entender, através dessa e de outras junções perfeitas, como uma mesma coisa, com um único significado, pode ser contada de diversas formas. No caso do filme, todos os encaixes levam à um forte sentimento incondicional ao homem: a perda.

Egoyan se mostra um mestre na arte de contar histórias, e essa é a maior arma que um cineasta pode ter para criar uma obra prima. Conheça o doce amanhã de Atom Egoyan, e descubra um lugar onde o azul do céu é uma cor a mais.

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