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Críticas

Paraíso

Um filme de valor humano.

Por Luiz Joaquim | 29.11.2018 (quinta-feira)

– Originalmente publicado no Jornal do Commercio em 21 de fevereiro de 2002.

Em meio a tantas imagens vertiginosas que agridem a retina, e tantas combinações de ruídos que machucam a audição, em meio a tantas histórias mirabolantes, rocambolescas e cheias de possibilidades impossíveis, em meio a tanta alucinação visual e mensagens pseudo-sócio-filosóficas, inumanas, cobertas com recheios virtuais, via combinações binárias, em meio a tanta alucinações pré-moldadas, velozes, pontuada pelo espetáculo calculado do lucro, enfim… em meio a tanta merda que a gente vê e ouve no cinema (e não só no cinema) surge, vez por outra, algo com valor. Legítimo. Com dignidade. Algo com moral, de pai e mãe.

Na época esteve obscuramente em cartaz no Recife, um produto dessa grandeza. Sei que poucos de vocês assistiram Paraíso, filme do diretor Tom Tykwer (mais conhecido pelo seu exercício chamado Corra Lola, Lola) – o qual foi produzido a partir de um roteiro deixado por Krzysztof Kieslowski (injustamente lembrado apenas pela trilogia das cores). O fato é que Kieslowski, após concluir a trilogia disse que não faria cinema novamente. Comentou que já havia subtraído tudo o que lhe interessava dessa arte.

Mas, pouco antes de morrer, precocemente, aos 55 anos em 1996, disse ter mudado de ideia e que gostaria de transpor para a tela A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Anunciou que tinha a ideia de fazer uma nova trilogia, agora, sobre o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Kieslowski morreu sabendo que não iria conseguir realizar seu sonho. Mas deixou um dos
roteiros prontos e desejou, então, que o filme fosse dirigido por um jovem cineasta. Anos depois, a Miramax comprou os direitos sobre o roteiro do polonês e o entregou nas mãos do alemão Tykwer.

E o filme passou no Recife. Obscuramente. Vi Paraíso três vezes. A cada sessão, ele crescia na minha cabeça e no meu coração. Crescia não só como produto cinematográfico, não só como realização de resultado decente e competente, mas, principalmente, como algo de valor artístico, inspirado, divinamente inspirado. Esse conceito, ‘valor artístico’, deixa aberta umas tantas brechas mas, enfim… talvez seja melhor falar em valor humano.

Ultimamente vemos muitas sugestões metafísicas e poucos argumentos concretos, vocês devem achar que estou apenas encantado. E talvez seja apenas isso. E o propósito desse texto é, no final das contas, nada além o de querer compartilhar esse encantamento com vocês. Como pensei que a maioria não viram o filme (e os que viram precisam rever).

Paraíso, depois de visto três vezes, pode ser enxergado por mais de uma perspectiva. Quando o vi na segunda vez, olhei e me emocionei, apenas, com o tratamento respeitoso que deu ao assunto amor. Quando o vi pela última vez, percebi um recado extremamente comovente, tocante, sobre fé. Um sentimento (seria algo maior que um ‘sentimento’?) incompreensível pela maioria, tenho certeza, dos humanos loucos (isso inclui a mim) que sobrevivem aqui na Terra. Sendo assim, convoco todos vocês: vamos ao Paraíso.

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