Matadores de Velhinhas
Mais uma sátira dos Coen a condição humana, com uma mão forte contra a cultura norte-americana
Por Felipe Berardo | 04.12.2019 (quarta-feira)
– publicado em 6 de abril de 2004 no jornal Folha de Pernambuco.
Os produtos criados pela imaginação dos irmãos Ethan e Joel Coen ressoam forte na cabeça de qualquer um que tenha visto alguma de suas crias. Sempre elaborando uma fábula pautada pelo imponderável, eles fazem disso a sua assinatura e tornam cada novo trabalho numa curiosa, divertida e afiada sátira a condição humana, com uma mão forte contra a cultura norte-americana. Não é diferente com Matadores de velhinhas (The LadyKillers, EUA, 2003), em cartaz no Grande Recife.
O filme é uma refilmagem de um clássico britânico de 1955 dirigido por Alexander Mackendrick e estrelado por ninguém menos que Alec Guinness como um infalível mestre da arte criminosa que encontra oposição a altura numa frágil e simpática velhinha. O argumento do original é bom o suficiente para gerar uma comédia rica em situações o suficiente para encher uma piscina com risadas, mas a sensibilidade dos Coen dá aqui um ritmo próprio ao novo filme, amarrando-o a uma sincronia com a indefectível música gospel que domina a trilha sonora.
O filme inicia apresentando seus personagens, a começar por Marva (Irma P. Hall, que levou o Prêmio do Júri em maio último no Festival de Cannes). Ela uma velhinha, assídua freqüentadora da igreja que, quando não está conversando com o retrato de seu falecido marido, está na delegacia dando queixa do vizinho que não pára de ouvir música “hipitic-hop”.
Vivendo sozinha numa casa gigante que parece perdida no tempo e no espaço, Marva aluga um quarto para o alto-intitulado Ph.D em música renascentista, o professor G. H. Dorr (Tom Hanks). Na realidade o interesse de Dorr é, junto a sua trupe (Marlon Wayans, J.K. Simmons, Tzi Ma, Ryan Hurst), cavar um túnel para chegar ao cofre do cassino flutuando no rio que fica a poucos metros da casa de Marva.
Em seu primeiro papel cômico depois de anos (LadyKillers foi rodado antes de Terminal), Tom Hanks assume uma ótima composição caricaturada do sulista que tenta inflar pompa e refinamento, mas soa como um bobo quando Marva vem com sua naturalidade e moral bruta. Esse confronto de posturas e interesses entre todos os personagens é o grande mérito de Matadores de velhinhas. Atenção para a primeira meia-hora de filme, na qual todos os personagens são apresentados numa economia de situações que resumem muito bem o trejeito dos Coen com a câmera.
Curiosa é a demora que um filme desse pedigreé (Irmãos Coen, Tom Hanks, Prêmio em Cannes) tenha sido tanta para só chegar ao Recife nesse momento, meses após sua estréia no eixo Rio-SP. Mais curioso ainda (mas gratificante) é ver que o filme entra em cartaz em três multiplex quando se sabe que a obra já pode ser encontrada nas boas locadoras. De qualquer forma, é importante ficar claro que Matadores de velhinhas deve ser visto numa sala de cinema.
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