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Críticas

Destacamento Blood

Apocalypse, still

Por Luiz Joaquim | 21.06.2020 (domingo)

Há uma premissa valiosa, que corre já há alguns anos e que seguirá daqui de 2020 em diante, no que diz respeito a um branco emitir observações sobre o filme de um preto, com pretos, sobre pretos envolvidos em questões afins. A premissa é a de que tais observações serão falhas. Talvez ilegítimas.

Partindo daí, por um texto que já nasce falho, o leitor que decida seguir ou não nessa leitura. Mas, se falho, por que fazê-lo? Por pedido de amigos. Há, porém, um outro motivo mais regozijante, ao menos para quem escreve, que é fazê-lo em função de uma obra encantadora, ou que atrai com reflexões.

No caso de Destacamento blood (Da 5 Bloods, EUA, 2020), de Spike Lee, encontramos provocações, é certo, mas elas vêm num tom solene acima do afinado àquilo que o cinema político faz de melhor: conscientizar pelo sussurro, e não pelo grito. E para que não se confunda os termos, damos como exemplo Faça a coisa certa (1989) como um dos mais belos e barulhentos filmes que nos sussurra as melhores ideias contra o racismo.

Já em Destacamento blood, disponível no Brasil pela Netflix desde 12 de junho, o que salta aos olhos é o seu curioso enredo e a sua origem.

No enredo, quatro ex-combatentes afro-americanos que lutaram contra o Vietnã retornam àquele país oficialmente em busca dos restos mortais de um quinto integrante falecido em combate e, oficiosamente, em busca de barras de ouro enterradas por eles há cerca de 50 anos.

Na origem, Spike Lee, farol cinematográfico norte-americano e dono de tantas obras vigorosas (e por isso mesmo) que se tornaram emblemáticas quando o mote é o preconceito racial e o que, junto a esse mote, pode ser feito de sutil na construção de um discurso cinematográfico.

Com tal origem, além do enredo curioso, não resta dúvida de que em Destacamento blood o que não faltam são denúncias a respeito da histórica opressão e injustiça contra os afro-americanos.

Pela importância – mais do que isso, da necessidade – do registro dessas considerações no filme, seria insano negar seu mérito. Já na forma, talvez possamos pontuar algo questionável.

Ao longo de extensos 154 minutos – duração que não costuma ser um problema para outros filmes igualmente longos, e aí citamos Apocalypse now, já que a geografia do assunto é a do Vietnã -, Destacamento blood insere algumas imagens reais de heróis pretos, anônimos, como Milton Olive, morto aos 18 anos ao pular sobre uma granada para salvar os amigos e, pelo feito, ter sido o primeiro negro a receber uma medalha de honra no Vietnã.

Insere também imagens de outros heróis, estes mundialmente reconhecidos, como Malcolm X, o atleta Tommie Smith, Angela Davis, Muhammad Ali (que abre o filme), e Martin Luther King, que o encerra. Tal opção na narrativa parece ter ganho a simpatia de Lee a partir do anterior Infiltrado na Klan.

A intervenção do real na narrativa ficcional de Destacamento… não chega a comprometê-lo, pelo contrário, agrega beleza a ela. Por outro lado, aquilo que Lee critica pela boca de seus personagens, quando, num exemplo, destaca a insistência de Hollywood em representar seus heróis a partir de impossíveis Rambo ou Chuck Norris, na série O homem acima da lei, acaba virando contra si próprio ao impor a Destacamento… a mesma alopração heroica aos seus protagonistas e, ainda, um também “conveniente” trauma pós-guerra a um deles (Delroy Lindo), que o legitima para as aloprações.

Esse mesmo trauma serviu bem ao propósito da violência “rambonesca” dos 1980 e serviu maravilhosamente à inquietação existencial Coppoliana nos 1970. Em 2020, o personagem de Lindo parece um rascunho deslocado, ou incompleto, de um todo mais complexo. Uma pena.

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