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Críticas

O Vestido

Um melodrama assumido: filme de Paulo Thiago é inspirado em poema de Drummond

Por Luiz Joaquim | 01.06.2020 (segunda-feira)

– texto publicado originalmente no caderno Programa da Folha de Pernambuco em 14 de maio de 2004

Mais uma estréia brasileira nos cinemas. O vestido (2004) é o décimo longa-metragem de Paulo Thiago foi idealizado a partir do poema Caso do vestido de Carlos Drummond de Andrade (do livro A rosa do povo, escrito nos anos 1940). Mas quem espera ver as sutilezas do amor, sempre tão inspiradamente concebidas pelo poeta mineiro, pode sofre uma decepção. É que o roteiro, co-escrito por Haroldo Marinho Barbosa e Paulo Thiago, tomou como base o romance de Carlos Herculano Lopes e resultou numa adaptação cinematográfica burocrática e, por vezes, desarticulada.

Tudo começa quando duas irmãs pequenas se preguntam o porquê da tristeza de sua mãe, Ângela (Ana Beatriz Nogueira) sempre que vê um vestido de festa, embolorado, no porão de casa. Pela introdução de flashbacks disparados por Ângela, o público fica sabendo que Bárbara (Gabriela Duarte) é o nome da mulher que usava o figurino em questão e que ela foi a responsável pela ausência do pai, Ulisses (Leonardo Vieira), naquela família.

Há ainda a presença de Fausto (Daniel Dantas), um primo bem sucedido e inescrupuloso que, desde a infância, é interessado na prima Ângela. Dantas é o único ator confortável em sua performance. Acredita-se no que ele diz. Talvez o fato de suas falas estarem longe do tom originalmente poético do texto de Drummond tenham ajudado. Sobre todos os outros personagens, entretanto, recai uma carga declamativa mal maquiada para o tom coloquial. Resultado: estamos sempre ouvindo alguma frase da boca dos atores que parece ter sido concebida mais por um processo de memorização, e menos por um trabalho de interpretação.

No desenrolar da trama, o filme leva o espectador à odisseia de Ulisses, que larga esposa e filhas para viver com a misteriosa Bárbara: a mulher que veio da cidade grande para escandalizar a comunidade interiorana. Juntos, os amantes partem para longe tentando se estabelecer e sedimentar o amor proibido. O papel mais cruel ficou para Beatriz Nogueira, que interpreta a esposa resignada, uma espécie de Penélope sempre a espera de seu Ulisses. Mas a crueldade não está no destino de seu personagem, e sim nas situações que precisa desenvolver sem um trabalho de mise-en-scène adequado; como aquela em que procura a amante de Ulisses para lhe pedir que o aceite.

Pode-se dizer que a intenção de Paulo Thiago em criar uma estrutura melodramática não falhou. As ferramentas estão todas em seu filme, através da esposa resignada, do primo rival sem escrúpulos, do marido conflituoso e da amante impiedosa. Mas um belo vestido não se faz apenas com boas ferramentas.

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