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Críticas

O Outro Lado da Rua

Trazendo referências à Edward Hopper, filme faz um retrato agridoce da velhice.

Por Luiz Joaquim | 13.11.2018 (terça-feira)

– publicado originalmente no Jornal do Commercio em 28 de Maio de 2004.

Existem algumas lacunas temáticas no cinema que raramente são abordadas pelos filmes. Uma delas é a re-inserção do idoso em experiências românticas ou sexuais. A produção O outro lado da rua (Brasil, 2004), de Marcos Bernstein, recheia de forma competente um pedaço desse branco, especialmente na filmografia brasileira.

Foi Bernstein, acompanhado por Fernanda Montenegro, quem abriu a mostra competitiva Cine-PE em 2004. Na ocasião, a atriz descreveu O outro lado da rua como um filme de amor sobre pessoas entre 70 e 80 anos. É mais que isso. Ao trabalhar no roteiro (junto a João Emanuel Filho) de Central do Brasil, Bernstein já se mostrava à vontade ao retratar as peculiaridades da terceira idade. Agora, ele coloca o espectador dentro da rotina da aposentada Regina (Montenegro), que passa os dias cuidando do cachorro, e as noites escorada na janela, observando a vizinhança com olhos de detetive.

Depois de ver o que acreditava ser um assassinato, Regina se envolve com o suspeito (Raul Cortez) para provar á polícia que o viu não era um ilusão. Camargo, o personagem de Cortez, é um juiz, também aposentado que vê em Regina uma companhia estimulante para os dias de solidão em sua recém-viuvez. São nas peculiaridades da solidão que Bernstein mostra sua melhor verve cinematográfica. Apoiado pela câmera e cores precisas trabalhadas na fotografia de Toca Seabra, Bernstein desenvolveu uma aura melancólica que ambienta a vida de Regina.

Não é à toa o cuidado com a composição de imagem que mostra a protagonista sentada no sofá da sala, parcamente iluminada, ou escondida por sombras, dando à atmosfera um clima sorumbático. A referência é clara: Edward Hopper (1882-1967), o artista plástico norte-americano que melhor retratou a solidão e a tristeza de um cidadão urbano.

Atrelado a essa acuidade plástica, O outro lado da rua, ainda oferece uma delicada sequência de amor como não se via no cinema nacional desde 1978, quando Carlos Diegues dirigiu Jofre Soares e Miriam Pires em Chuvas de verão. Talvez o filme de Diegues ainda seja a referência maior pela crueza, e por isso mesmo, beleza com que apresenta o carinho e desejo entre um casal de septuagenários. Mas a obra de Bernstein merece ainda atenção por, corajosamente, mesclar diferentes gêneros, como suspense (o mistério e tensão que gira em torno da morte da esposa de Camargo), comédia (a relação de Regina com seu vira-lata, e com a polícia) e drama (a solidão dos idosos de Copacabana, estendida para todos os outros do País).

No Festival de Berlim daquele ano, O outro lado da rua recebeu da Confederação Internacional dos Cinemas de Arte o título de melhor filme da mostra Panorama Especial. Quando exibido no Cine-PE, levou o título de Melhor Filme pelo júri oficial.

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