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Festivais

25ª Tiradentes (2022) – Fábio Leal

Estaria Fábio Leal desenhando um novo gênero no cinema brasileiro?

Por Luiz Joaquim | 27.01.2022 (quinta-feira)

Já na sua fase de sexo explícito, a pornochanchada Senta no meu, que eu entro na tua (1985), de Ody Braga, no primeiro episódio – Alô Buça! – apresenta uma vagina falante que se rebela contra os homens e, assim, vai perturbando os planos sexuais da protagonista.

Pôster : “Senta no Meu…”

Numa das sequências, há um plano fechado na vagina da atriz. Enquanto um tosco movimento forjado parece fazê-la articular palavras, escutamos uma dublagem feminina dando personalidade ao órgão sexual, expondo seus próprios desejos.

Trinta e sete anos depois, a 25ª Mostra de Cinema de Tiradentes coloca no mundo, pelo seu programa Aurora, Seguindo todos os protocolos (2022), primeiro longa-metragem solo dirigido pelo pernambucano Fábio Leal. Mas há relação entre os dois filmes?

Numa das sequências da tragicômica história de seu protagonista, Chico (o próprio Fábio Leal), o personagem está num momento de descontração com o seu parceiro após o sexo. Com o pênis do companheiro (Paulo César Freire), Chico brinca de dublar um personagem que permeou a sua infância no programa de tevê Xou da Xuxa, levado ao ar entre o final dos anos 1980 e início dos 1990.

Na verdade, parece haver outras proximidades entre o que Fábio vem fazendo com sua filmografia – vejam os ótimos curtas-metragens Reforma (2018) e O porteiro do dia (2016) – com o mais popular (e difuso) gênero cinematográfico brasileiro.

Além da presença certa do sexo em cena, há o humor na apresentação das circunstâncias colocadas. Mas seria um erro com ‘E’ maiúsculo abrir a boca para dizer que é uma pornochanchada o que Fábio Leal nos dá com o seu cinema.

Ainda que possa soar exagerado, podemos dizer que o cineasta parece estar construindo algo único no Brasil a partir dessas suas três produções solo (o realizador também lançou, ano passado, o longa documentário Deus tem Aids, mas, este, codirigido com o carioca Gustavo Vinagre).

Mesmo sendo o sexo e o humor os guias na sua cinematografia, como acontecia na pornochanchada, o seu cinema não é uma comédia, propriamente, nem é grosseiro ou ofensivo. Pelo contrário, o que Fábio faz é desconstruir ideias preconceituosas, ainda que isso não esteja como objetivo primeiro em seu trabalho. O realizador faz mais, chega a tornar divertida algumas questões mais do que sérias, intocáveis, no mundo contemporâneo, como a legitimidade do lugar de fala etc.

A participação do sempre ótimo Marcus Curvelo em Seguindo todos os protocolos, como o ex-companheiro de Chico, que exige sua identificação como preto, é um pequeno achado aqui.

Pôster: “Seguindo…”

Fábio Leal sabe que o exagero é engraçado e nada mais exagerado (em sua grande maioria, com coerência) do que o nosso comportamento diante das exigências sanitárias que vivemos (estamos vivendo) nestes últimos dois anos de pandemia.

Este é o mote do enredo de Seguindo…, atrelado ao desejo de Chico por sexo após dez meses de clausura extra protegida e, por conseguinte, cômica. Fábio agrega à história a fragilidade mental de seu personagem, mas, ao mesmo tempo, com uma bela lucidez sobre a irresponsabilidade de um certo número de pessoas no Brasil e no mundo diante da tragédia que desfila na nossa cara diariamente.

É uma estrutura nada fácil de montar, essa do cinema de Fábio Leal, mas que o cineasta administra, aparentemente, com pulso firme e tranquilidade cativantes.

Levando tudo isso em conta, dois pontos merecem destaque: (a) Com uma estrutura tão particular em sua cinematografia – com sexo, humor ácido e sem esquecer responsabilidade social –, Fábio estaria inaugurando uma espécie de ‘Queerchanchada’? Ou nada desses encaixes em nomenclaturas taxativas tem importância ou validade? O futuro dirá.

E, (b), temos, certamente, em Seguindo todos os protocolos, o primeiro e o (por enquanto) mais emblemático filme brasileiro sobre uma época absolutamente inacreditável, que incluiu outra doença chamada Bolsonaro.

Que belo documento Fábio nos deixa, sobre um momento colossalmente triste, mas que, para nossa sorte, (no filme, pelo menos) encerra com um gesto libertário sobre uma moto em movimento no meio do nada. O lúdico aqui e tão bonito, ao som de Santo e demônio, na voz de Amelinha, quanto em suas imagens ao som de Pé na tábua, de Marina Lima, em O porteiro do dia.

Que bom, Fábio.

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