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Críticas

Um Lugar bem Longe Daqui

A Juma dos EUA

Por Luiz Joaquim | 24.08.2022 (quarta-feira)

Menina analfabeta entrega ao pai a primeira carta remetida pela mãe depois desta ter fugido da violência doméstica naquela família. Após lê-la, o pai queima a carta sem contar para a filha, em prantos, o conteúdo da correspondência. Como quem quer ter algo da mãe para si, a menina guarda as cinzas da carta, em segredo, num frasco de vidro.

É uma das mais memoráveis sequências de Um lugar bem longe daqui (Where the Crawdads Sings, EUA, 2022), o primeiro longa-metragem dirigido por Olívia Newman para o cinema, que estreia amanhã (25) nas salas do Brasil.

Não seria memorável se a atriz mirim que interpreta a pequena Kya (Jojo Regina) não fosse carismática, da mesma forma que é a sua versão adulta, vivida pela atriz do teatro britânico, Daisy Edgar Clark.

Com roteiro adaptado por Lucy Alibar do best-seller homônimo escrito por Delia Owens (foram 12 milhões de livros vendidos no mundo), o filme Um lugar bem londe daqui chega ao Brasil num timing perfeito se levamos em consideração a trajetória de vida de sua protagonista e o sucesso da nova versão da telenovela Pantanal. Mas o que uma coisa tem a ver com a outra?

Bem, Kya é uma jovem solitária que cresceu sem a família numa pequena tapera em pleno brejo alagado de uma afastada e pequena cidade do estado da Carolina do Norte, nos EUA. Seu principal transporte de casa, e para casa, é por um bote, pelo qual navega no rio para trocar mantimentos, sendo essa uma de suas únicas poucas práticas sociais. Não chegou a ir, por exemplo, à escola e não aprendeu a ler.

Juma… eerr, Kya em seu bote pelas águas do brejo

Vista com preconceito pela comunidade, a Kya são atribuídas lendas como a que seu olhos brilham no escuro, ou a que ela vira macaco, entre outros folclores. Absolutamente antissocial, a reclusa Kya não deixa sua modesta casa por nada, e sempre se esconde quando um estranho chega por perto procurando-a.

A única figura humana por quem se deixa aproximar é Tate (Taylor John Smith), que conheceu ainda na infância. É Tate, com os dois já adultos, que vai ensinar Kya a ler e a escrever. Da aproximação entre os dois nasce, naturalmente, um romance inocente no qual o sexo nem é o mais importante naquele instante.

Tate (Taylor John Smith) ensina Kya (Daisy Edgar Clark) a ler

O cenário é o de terras alagadas onde a natureza é superlativa, com os animais determinando o ritmo da vida e de cuidados para quem quer que circule por aquele lugar. Há, até, uma sequência celebrativa do aniversário de Kya no qual o espectador é brindado com aquilo que poderia ser comparado ao bailar das aves no comentado ninhal da famosa telenovela (hoje) da TV Globo.

Kya seria a Juma gringa? E Um lugar bem longe daqui, o Pantanal norte-americano? Não exatamente porque o romance de Delia Owens e sua adaptação cinematográfica seguem alternadamente dois momentos na vida da protagonista, juntando dois gêneros (o do romance e o de tribunal).

Daisy Edgar Clark (e) como Kya,  David Strathairn como Tom.

O filme abre, tendo como questão inicial, a misteriosa morte de um respeitado jovem da localidade e colocando Kya como principal suspeita. Com a ajuda do advogado de defesa, Tom (David Strathairn, único rosto mais conhecido aqui, indicado ao Oscar por Boa noite e boa sorte), e assim segue, alternando a história de vida de menina solitária que precisou se aliar a natureza e a se afastar dos homens para sobreviver.

O resultado da adaptação de Um lugar bem longe daqui não apresenta exatamente um filme inesquecível, ou tão distinto das dezenas de romances hollywoodianos que chegam por aqui, mas, para os brasileiros, além das semelhanças com a personagem criada por Benedito Ruy Barbosa inclui um elemento valioso para o momento contemporâneo das mulheres no cinema.

Kay (assim com Juma) é autêntica e dona de sua própria vida, sendo reagente, inclusive com violência física, quando é necessária, para se defender da violência dos homens.

E assim, nessa consonância com o mundo contemporâneo que gostaria de um história de esperança amorosa, mas pautada por atitudes de coragem, a estreia de Olívia Newman pode levar um bom público às salas de cinema (ou tornar-se um referência nas outras mídias) e ainda marcar a carreira da protagonista Daisy Edgar Clark, que compõe sua Kya adulta com franqueza e curiosa sedução pela natureza da pureza, como bichinho do mato assustado que é.

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