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Críticas

As Bestas

Moderno faroeste galego

Por Luiz Joaquim | 24.01.2024 (quarta-feira)

Ok.

A sua atenção nesta semana em que os indicados ao 96º Oscar foram anunciados está toda voltada para os oscarizáveis. É inteligente, porém, reservar um pouco dela para um novo título que estreia amanhã (25) nas salas de cinema do Brasil.

Falamos de As bestas (As Bestas, Esp./Fra., 2022), que vem lá da região da Galícia, sob direção do jovem Rodrigo Sorogoyen (guardem esse nome), estreando na direção de um longa-metragem.

A propósito do Oscar, Sorogoyen também já foi um oscarizável. Aconteceu em 2019 quando seu curta-metragem Madre esteve na disputa entre os cinco da categoria.

E se é de prêmios que você gosta, anote aí que As bestas foi um dos mais premiados filmes espanhóis em 2022/23 ao redor do mundo. Entram na conta os títulos de melhor filme na França (categoria estrangeiro), Espanha (foram 9 Goyas), San Sebastian, Tóquio e Dublin.

Assim como em Madre, As bestas se apresenta como um cinema de urgências e Sorogoyen, coassinando o roteiro aqui com Isabel Peña, nos conduz para aquele incômodo lugar de desconforto e confronto em que parece não haver ponto de retorno.

Xan (Zahera) e Antoine ( Ménochet) tensão quase palpável no ar

Curioso é que, a certa altura, numa conversa na cama, antes de dormir, o francês Antoine (o ótimo Denis Ménochet) conversa com a esposa Olga (Marina Foïs) e os próprios personagens relativizam essa impossibilidade de voltar atrás. Enquanto Antoine reflete e diz para a esposa: “não há mais saída”, ela responde de pronto: “pare de ficar repetindo isso. Sempre há outra saída”.

A persistência de Antoine vai nos guiar a uma situação trágica, mas não por responsabilidade dele ou ao menos, não totalmente por responsabilidade dele.

Sorogoyen é, assim, sagaz o suficiente para nos dar uma situação cinzenta… não preta, não branca… das intenções nobres, mas egoístas, de Antoine e das intenções malévolas, mas com uma coerência em sua origem, do antagonista Xan (o hipnótico ator galego Luis Zahera).

Xan, um cinquentão, vive na área rural da Galícia com a idosa mãe e com Lorenzo (Diego Anido), o irmão dez anos mais jovem e portador de deficiência intelectual. A pequena comunidade de nove famílias vem sendo assediada por empresários nórdicos para que vendam suas terras e ali seja instalado um parque de energia eólica.

Xan (Zahera) e Lorenzo (Anido) prontos para o confronto

Seis famílias, incluindo a de Xan, votaram a favor, e três (incluindo a de Antoine), contra as eólicas. O que, na perspectividade de Xan, torna Antoine tão odiável está no fato de que o francês da cidade grande, intelectual e adepto do cultivo orgânico, chegou à comunidade há apenas dois anos para reformar uma casa em ruínas e, ali, viver seus últimos anos admirando as montanhas e a flora galega.

Xan e toda a comunidade vivem ali desde sempre, com as limitações próprias de uma isolada vila rural. Eles enxergam, portanto, a proposta das eólicas como a chance única de toda uma vida para, literalmente, tirar o pé da lama. Mas há um estrangeiro no caminho.

Estabelecido o confronto, As bestas vai ganhado um contorno que fará alguns lembrarem de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, com Antoine na pele que foi de Clara (Sônia Braga). Mas as consequências aqui são mais brutais e os diálogos de uma afinação intrigante. O roteiro agrega sutilezas a ponto de o vilão Xan ganhar um espaço que permite o espectador vislumbrar um esboço daquilo do que há de humano nele. Isso em meio ao tanto de ódio que lhe rodeia.

Outro ponto de fazer o espectador abrir a boca e deixá-la escancarada está na passagem do protagonismo do filme para uma personagem antes secundária e que, na segunda parte, brilha intensamente. No caso, a esposa francesa Olga, incluindo a entrada em cena da filha Marie (Marie Colomb).

Olga (Colomb) personagem menor que torna-se um gigante na trama

As bestas, assim, não se detém no imbróglio entre os vizinhos Antoine e Xan, mas passeia com elegância também pela relação parental entre Olga, Maria e Antoine, dando mais uma camada psicológica difícil de traduzir ao conflito original do filme.

Como se não bastasse, Sorogoyen e seu diretor de fotografia, Alejandro de Pablo, de mãos dadas com o autor da trilha sonora Olivier Arson, compõem uma ambientação angustiante, sufocante mesmo, elementos, como sabemos, tão definitivos para o sucesso daquilo que As bestas quer alcançar (e alcança).

Tantos prêmios conquistados pelo filme não vieram à toa.

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