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Críticas

Ferrari

Correndo pela vaidade e pela família.

Por Luiz Joaquim | 22.02.2024 (quinta-feira)

No universo italiano, terra vanguardista no campo do design, há macchinas lendárias e, com elas, a ideia da elegância tem pretensões de perfeição. Em Ferrari (Idem, EUA/RU/ Ita./Chi., 2023), nova maravilha de Michael Mann que chega hoje (22) aos cinemas do Brasil, seu diretor parece ter cuidado com todo o esmero que esteve ao seu alcance para também estabelecer aqui um tipo de elegância. 

Tal qual as curvas dos mais belos carros, esta adaptação ao cinema da biografia Ferrari: O homem por trás da máquina, escrita por Brock Yates (e roteirizada por Troy Kennedy Martin) sobre Enzo Ferrari (1898-1988) – o fabricante dos famosos e caros automóveis esportivos – é bonita de ver. Faz bem aos olhos que buscam beleza visual e encantamento dramatúrgico.  

Mas há manchas. Uma delas está na incômoda opção dos diálogos saírem em inglês com sotaque italiano. Num elenco formado por uma miscelânea de nacionalidades – os americanos Adam Driver e Shailene Woodley, a espanhola Penélope Cruz, o brasileiro Gabriel Leone e o italiano Alessandro Cremona – as variações nos timbres desses sotaques parece dizer que o filme é menor do que é a sua real dimensão. A de uma obra meticulosa em todos os aspectos, exceto pelo que comentamos neste parágrafo. 

Pode até soar injusto darmos destaque para esse detalhe quando na verdade tudo no seu entorno, dentro do filme, aponta para outra direção: a de atores em seu melhor, nos entregando emoções profundas traduzidas apenas, com um rosto em super-close, por um quase milimétrico movimento do lábio ou do supercílio – atentem para Penélope Cruz, notável. Repetimos: notável!

Apontando também para a direção de uma montagem sanguínea (aqui assinada por Pietro Scalia) e, com ela, a de um desenho de som de arrepiar. Ambos elementos próprios dos filmes de Mann. Mas, vale dizer, apenas nas horas que tal energia sanguínea é exigida – leia-se: nas sequências das corridas de carros -, respeitando, por outro lado, o tempo das dores e dúvidas dos personagens, voltando, nesse momento, ao ritmo humano para a condução narrativa.. 

E, ainda, apontando para a direção de uma fluidez narrativa que envolve sem fazer esforço. E nesse ponto que Ferrari apresenta o seu melhor. Consegue nos aproximar desse personagem que surge já derrotado para os padrões contemporâneos do que seria um homem interessante, uma vez que já conhecemos Enzo, pelo filme, sabendo de sua segunda família e do filho bastardo. 

Ele leva uma vida paralela a qual esconde há mais de 12 anos de sua fiel e legítima esposa, Laura (Cruz), a mesma que o ajudou a criar sua fábrica em 1943 e sempre tomou a frente de suas finanças.

Mesmo assim, Mann, com a ajuda do roteiro de Kennedy Martin, e com uma economia, (mais uma vez) elegante para nos atalhar os sentimentos de seu protagonista nos aproxima tanto de Enzo que lhe devolve a sua humanidade sem nunca fazê-lo soar realmente como um frágil, de maneira que tenhamos piedade por ele. Que proeza, senhor Mann. 

Adam Driver, também produtor aqui, está sempre visual e performaticamente impecável. Com o cabelo grisalho meticulosamente penteado, com os inseparáveis óculos de sol e seus ternos de corte preciso, o ator nos dá uma boa medida do que foi a vaidade desse empresário cuja ambição pelo reconhecimento passava empertigado pelo desejo de vencer as grandes corridas da Europa. Competições que criaram pilotos “heróis”, macchinas dos sonhos e fãs de diversas gerações ao longo do século passado. 

O recorte do filme concentra-se ali por meados dos anos 1950, com a fábrica em crise financeira e com o esforço de Enzo para fazer a esquadra Ferrari vencer a próxima corrida de longa distância – a de Mille Miglia – e daí alavancar a venda de seus veículos de uso doméstico.

Entre uma coisa e outra, temos também bom espaço para Laura, mulher forte que, noutro contexto de representação poderia ganhar ares de vilã. Mas aqui, Mann, novamente, dá a dignidade que Laura merece, nos fazendo ver o todo também pelos seus olhos. O que temos aqui não é pouco. Falamos de uma figura defendida por Penélope Cruz de maneira a oscilar belamente entre o febril e o sereno ao vestir a impotência de uma mãe que perdeu seu único filho [não é spoiler] e a dor de uma esposa que perdeu o marido para outra mulher. Onde está seu Oscar?

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