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Críticas

A Matriarca

Quando a physique du rôle e o talento de uma gigante estão ali para valorizar um filme

Por Paulo Henrique Silva | 09.04.2024 (terça-feira)

Charlotte Rampling é um dos grandes motivos para ver A matriarca (Juniper, N.Zel., 2021), em cartaz nos cinemas. A atriz britânica de 78 anos é a responsável por transformar um conflito até comum, a partir do convívio forçado entre duas pessoas que não fazem questão de mostrar qualquer sinal de afeto pelo outro, numa narrativa sensível sobre a finitude e o significado da vida.

A matriarca do título é justamente a sua personagem, Ruth, uma mulher que, bem antes de chegar a uma cidade da Nova Zelândia, põe filho e neto em estado de expectativa e tensão. Essa é praticamente a única informação compartilhada com o espectador, transportando um receio que a direção de Malwee J. Saville também explora na maneira como exibe o primeiro contato com o jovem Sam.

Esse é um ponto de partida interessante do filme, pois os personagens são apresentados por esse viés negativo, com a geografia desértica típica do país da Oceania estampando a aridez de sentimentos que emanam nesse primeiro momento. Pai e filho já exibem uma relação difícil, gerada pela perda da mulher/mãe para o câncer e uma crise financeira que culminou na venda de vários cavalos.

Esse pessimismo se soma ao afastamento de Sam (George Ferrier), que estuda num internato após provocar um grave acidente de carro. O garoto assume uma postura autodestrutiva que só será páreo para a secura emocional e desprezo como a avó trata a todos que a cercam. Alcoólatra, Ruth vive numa cadeira de rodas e depende, a contragosto, de ajuda contínua, o que só aumenta a sua amargura.

O jovem Sam (Ferrier): espelho de Ruth (Rampling)?

Há uma espécie de competição entre eles para ver quem destila mais ressentimento e egoísmo. Com o passar do tempo, esse convívio doentio gera um certo espelhamento, como se tivessem encontrado alguém que, finalmente, tivesse a dimensão da dor interior que sentem. Por vias tortas, acabam descobrindo, na determinação jovial de um e na bela experiência do outro, um afeto antes abafado.

O título não se resume apenas à chegada da matriarca, representativo também de uma força feminina avassaladora, que foge à ideia de singeleza e esteio familiar. Ruth é uma ex-correspondente  de guerra que viu de perto todo o tipo de atrocidade cometida pelo ser humano. Charlotte Rampling capta esse olhar cansado e desgostoso de quem traz na pele a marca do ocaso.

Um ocaso que diz respeito ao homem contemporâneo e ao dela própria. Saville busca sobrepor essa percepção ao terreno quase infértil da Nova Zelândia, mas muitas vezes acaba fazendo disso um artifício para se chegar a um estado de expiação e reconhecimento das escolhas (boas e más) dos protagonistas, num final por demais harmonioso. A sorte é que nada disso afeta o brilho de Charlotte.

 

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