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Reportagens

Nouvelle Vague faz 50 anos

Há meio-século uma nova onda mudava o cinema mundial

Por Luiz Joaquim | 23.05.2009 (sábado)

Havia algo de novo na 12ª edição do Festival Internacional de Cinema de Cannes, em 1959. Neste ano foram criadas as exibições especiais para a imprensa e as primeiras coberturas do evento feitas ao vivo pela televisão, havia também a participação de “Os Incompreendidos” (Les Quatre Cents Coups), primeiro longa-metragem dirigido por um ferrenho e intransigente crítico de cinema, de 27 anos, chamado François Truffaut. A produção deu ao jovem o prêmio de melhor direção e anunciou ao mundo a Nouvelle Vague – movimento que obrigou teóricos a reavaliar e reescrever a história do cinema.

Junto ao filme de Truffaut, Alain Resnais ‘explode’ uma bomba em Cannes chamada “Hiroshima, Mon Amour”. Roteirizado pela escritora Marguerite Duras, a produção apresentava ao espectador o relato de um amor impossível entre uma atriz francesa e um arquiteto japonês. Servindo como locação para ilustrar essa metáfora entre a incomunicabilidade dos povos, o cineasta usou o que sobrou da cidade de Hiroshima, 12 anos após ser atingida pela bomba atômica. A originalidade e o talento prematuro de Resnais fez o juri de Cannes compará-lo a Orson Welles. Sua crueza inovadora, aplicada na condução do filme, lhe valeu o Prêmio Internacional da Crítica. Hoje (2009), Resnais compete mais uma vez em Cannes, com “Les Herbes Folles”.

A exposição dos filmes de Truffaut e Resnais em Cannes 1959 abriram as portas para uma nova perspectiva de fazer cinema. Truffaut era apenas um dos elementos intelectuais que, junto a Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Eric Rhomer e Jacques Rivette, formavam o núcleo principal da Nouvelle Vague. Apelidados de Jeunes Turcs (jovens turcos), os cinco jornalistas da revista Cahiers du Cinéma tinham como mentor André Bazin, nome que ainda hoje se confunde com o sentido da crítica cinematográfica, pela excelência que imprimia na precisão de seus textos.

Respeitado por toda a categoria de cinema do planeta, Bazin era conhecido por encarar a sétima arte como uma experiência iluminista. Graças a sua formação existencial, defendia um cinema originado da verdade e que tivesse como foco a dubiedade e sutilezas da vida. Foi esse o homem que, em 1947, fundou La Révue du Cinéma, a antecessora direta da Cahiers. Sobre Bazin, Luís Buñuel comentou: “ele revelou-me aspectos de minha obra que eu próprio ignorava”. A Cahiers – o evangelho do cinema – só viria a ser inaugurada em 1ø de abril de 1951. Foi através desse periódico que germinou o grão do qual a Nouvelle Vague teve origem.

No mês de janeiro do terceiro ano de circulação da revista, Truffaut publicou o famoso artigo “Uma Certa Tendência do Cinema Francês”. Alí, o ex-delinqüente “adotado” por Bazin expunha sua indignação quanto ao esteriotipado cinema Francês. Ele sugeria também a “teoria do autor”. Truffaut argumentava ser o filme uma responsabilidade única do diretor e que, sua visão de sociedade e seus valores poderiam ser identificados através de sua obra. Um filme poderia ser um produto individual e revelador. Isso serviu de estopim para estimular um cinema mais pessoal na França e acabou funcionando como uma espécie de manifesto informal dos cineastas.

Ao mesmo tempo, os Jeunes Turcs, impiedosamente, renegavam o nacionalismo e a poesia melosa dos filmes franceses da década de 1950; eles chamavam a atenção para as obras de cineastas até então pouco conhecidos como Hitchcock, Orson Welles, Fritz Lang e Howard Hawks. Na concepção deles, salvavam-se na França Jean Renoir e Robert Bresson, e, na Itália, o cinema realista de Rosselini. O que eles queriam era liberdade. Distância do academicismo reinante.

Um onda oriunda da crítica
Já em 1954, surge o conhecido termo que dá nome ao movimento francês. Ele aparece pela primeira vez na coluna de Françoise Giroud, da revista L’Express. O título dizia La Nouvelle Vague Arrive (é chegada a nova onda). No texto ela tentava traduzir a ebulição da inquietante forma de encarar o mundo que a juventude bradava. O termo agradou os violentos críticos da Cahiers, que logo tomaram a expressão como o conceito de cinema que desejavam ver nas telas francesas.

Sendo todos exímios escritores, não encontraram dificuldades em esboçar suas idéia em roteiros e diálogos limpos de prolixidade. E assim, em 1957, Truffaut dirigia “Os Pivetes” (Les Mistons). Já nesse curta-metragem, seu autor deixava registrado a ternura que ia impor na narrativa dos 21 longas que viria a fazer. No mesmo ano, Claude Chabrol recebe uma herança e começa a rodar “Nas Garras do Vício” (Le Belle Serge). Em 1958, Jacques Rivette inicia as filmagens de “Paris Nous Appartient”, mas só consegue lançá-lo três anos depois. 1959 é o ano dos arrebatadores “Os Incompreendidos” e “Hiroshima Mon Amour”. Eric Rhomer roda “O Signo do Leão” (mas só o exibe em 1962) e Godard aparece, em 1960, lançando “Acossado” (a partir de uma idéia de Truffaut).

Surge, talvez, o trabalho mais representativo da Nouvelle Vague. Com equipamentos portáteis, fazendo tomadas na rua, Godard deixa o roteiro de lado e constrói um filme no qual seu protagonista (Jean-Paul Belmondo) é um anti-herói carismático. Também estava feita a insurreição técnica. A impertinência, a provocação, o humor da nova estética estavam presentes nos cortes secos, nas brincadeiras com o círculo que isolam detalhes na tela (tão comum nos filmes do início do século), e nos travellings, presente em todos as produções do movimento.

FIM
Após a morte de André Bazin, o “quartel general” da nova onda foi assumido por Jacques-Doniol Valcroze e Eric Rohmer até o ano de 1963. Depois, a Cahiers sofreu problemas financeiros e foi mudando sua proposta nos anos seguintes. Em 1968, as amarras que ligavam as cinco cabeças da Nouvelle Vague são folgadas e cada um começa a traçar seu persurso, iluminados apenas pela conceito do “cinema de autor”, cada vez mais independentes. O movimento é dado como encerrado, mas não sem antes deixar seu germe influenciando novas tendências, como o Cinema Novo brasileiro.

Os cinco mestres da Nouvelle Vague

FRANÇOIS TRUFFAUT (1932-1984)
O homem que amava o cinema, as mulheres, os livros, as crianças… viveu a infância em reformatórios até ser adotado por André Bazin. Acabou projetando sua vida em seu personagem mais marcante: Antoine Doinel. O ator Jean-Pierre Léaud interpretou o mesmo Antoine em cinco produções: “Os Incompreendidos” (1959), “O Amor aos 20 Anos – Antoine & Colette” (1962), “Beijos Proibidos” (1968), “Domicílio Conjulgal” (1970) e “O Amor em Fuga” (1979). Ainda sob a direção desse que se tornou o maior intérprete do amor no cinema francês, constam: Jules e Jim 1961, Fahrenheit 451 1967, A Noite Americana 1973, O Homem que Amava as Mulheres 1977, Amulher do Lado 1981 e outros. Quando faleceu em 1984, casou comoção em toda a França.

JEAN LUC GODARD
Autor da frase “cinema é verdade a 24 quadros por segundo” e “todo filme é um filme de amor”, Jean-Luc Godard é a própria Nouvelle Vague personificada. Vindo da Suíça e tendo trabalhado como montador nos curtas de Rivette e Rohmer, começou a escrever para a Cahiers du Cinéma com o nome de Hans Lucas. Adorava exaltar o westerns americano e diretores de filme B de gangsters. Depois de fazer Acossado, continuou revolucionando a linguagem e a política no cinema. Entre seus filmes destacam-se O Pequeno Soldado 1960, Viver a Vida 1963, Alphaville 1965, A Chinesa 1967, Weekend a Francesa 1967, Je Vous Salut, Marie (1985), e “Nossa Música” (2004).

CLAUDE CHABROL
Apaixonado pela obra de Hitchcock, escreveu uma monografia com Eric Rohmer, publicando-a na Cahiers em 1957. Estrou na direção em Nas Guarras do Vício (1958), um drama rural sobre um alcoólatra. Aqui desconstruía a lninguagem clássica do cinema com seus cortes súbitos e saltadados. Mal tinha lançado o primeiro filme e começous a rodar Os Primos (1958), um decadente conto sobre boêmios estudantes parisiênses. Nesse filme, Chabrol criou o pioneiro personagem que subverteu as idéias maquiavélicas de bom e mal moço que davam o tom na época. Dirigiu ainda Les Bonnes Femmes (1960), As Corças (1968), A Mulher Infiel (1968) e Madame Bovary (1991).

JACQUES RIVETTE
Diferente das produções de Rosselini, Fritz lang e Howards Hawks, das quais elogiava tanto na Cahiers du Cinéma, Jacques Rivette fazia filmes fugindo dos padrões comuns de duração. O mais exagerado, Out One – Spectre (1972) tinha 13 horas da sua versão original. O filme só foi lançado quando Rivette o reduziu para quatro horas. O redator-chefe da Cahiers nos tempos da Nouvelle Vague caracteriza suas obras por planos intermináveis, como o presente em A Bela Intrigante (1991), quando faz um estudo sobre a humanidade e a arte.

ERIC ROHMER
Admirador confesso do “rico imaginário” de Fritz Lang, do qual fez uma dissertação , o ex-professor de literatura, Eric Rohmer testou seu talento fazendo curtas-metragens nos anos 1950. Seu primeiro longa foi Les Petitits Filles Modeles (1952). O editor da Cahiers du Cinéma entre 1953 e 1963 fez questão de manter sua veia literaria e filosófica ao produzir O Signo do Leão (1960). Construindo personagens burgueses, que levavam um vida monótona, Rohmer dividiu sua filmografia em temáticas: contos morais, comédias & provérbios, e contos sazonais.

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