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Críticas

O Homem que Engarrafava Núvens

O homem que inventou o baião

Por Luiz Joaquim | 15.01.2010 (sexta-feira)

Se pudermos dizer que um filme é um retrato do perfil de seu diretor, então, vendo “O Homem que Engarrafava Núvens” (Bra., 2010) poderemos dizer que Lírio Ferreira é divertido, inteligente e sensível. Numa fase em que a produção de documentários brasileiros passa por uma superexposição de produções com o foco na música – alguns são realmente descenessários pela sua baixa qualidade – ver “HQEN” revigora a crença na diversão aliada à inteligência e à sensibilidade.

Vale dizer que este foi um projeto feito por encomenda a Lírio. Sua produtora, Denise Dummont – que é também filha do cinebiografado “Doutor do Baião”, Humberto Teixeira -, vinha desenvolvendo a ideia de contar a história de seu pai no cinema há mais de uma década. Ter visto “Cartola: Música para Os Olhos”, realizado por Lírio e Hilton Lacerda em 2006, e ter conversado com amigos sobre a competência do cineasta pernambuco, foi o que motivou sua decisão em convidá-lo para dirigir um projeto tão pessoal, que lhe custou inclusive a venda de um apartamento no Rio de Janeiro.

E o que torna “HQEN” tão atraente? Na verdade, uma combinação de talentos que foram agregados para definir o trabalho de Teixeira, de maneira bastante elegante, como um representante da autêntica cultura brasileira. Num depoimento, Gilberto Gil define, “são as duas realezas da música brasileira: o samba e o baião”. Do ponto de vista dos depoentes, Lírio interpõe falas de celebridades e autoridades na melodia – como Sivuca, Caetano Veloso, David Byrne, Dominguinhos, Fágner, Belchior, Bebel Gilberto, além de canja musical de alguns como Chico Buarque, Maria Betânia, Gal Costa – com a fala de populares no Nordeste.

Do ponto de vista da concepção criativa cinematográfica, Lírio foi cercado por craques – desenho da trilha sonora (Guto Graça Mello), fotografia (Walter Carvalho) e design (Gringo Cardia) -, sem falar da imensa diversidade de filmes de arquivo e parte do acervo pessoal da filha/produtora Dummont. Engana-se quem pensa que, com tantos bons elementos assim, fica difícil errar. Na verdade pode ser mais fácil cometer excessos diante de tantas ofertas, o que só sugere uma outra qualidade a “HQEN”: coerência. Coerência que transparece em consistência e sofisticação na montagem que conduz o espectador, situando-o social e culturalmente, na trajetória incomum de Teixeira. Homem fino e erudito que traçou ao lado de Luiz Gonzaga linhas eternas para a música brasileira. São linhas que ultrapassaram nossa fronteira, como bem depõe David Byrne. Ou quando vemos um grupo de origem oriental interpretando “Asa Branca” em japonês, ou ainda escutamos o ritmo num filme italiano.

Vale também ressaltar o aspecto pessoal de Denise, com quem manteve um relacionamento endurecido na vida. Desde sua morte, em 1979, ela não falava sobre seu pai. No filme, mergulha fundo no assunto, nos apresentando o homem por trás do artista. O que rende uma conversa memóravel com sua mãe, a ex-atriz da Atlântida, Margarida Pólis Teixeira (Margot Bittencourt), sobre a separação do casal. Na conclusão, é a própria Denise que resgata da memória quem foi Humberto Teixeira e também um derradeiro e sublime momento entre os dois.

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