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Críticas

Polícia, Adjetivo

Vale o que está no livro

Por Luiz Joaquim | 19.03.2010 (sexta-feira)

Ao contrário da maioria dos filmes feitos pelo mundo em que agentes policiais protagonizam o enredo, o romeno, em cartaz no Cinema da Fundação, “Polícia, Adjetivo” (Politist, Adjectiv, 2009) de Corneliu Porumboiu, não tem como ponto de clímax uma perseguição em velocidade regada à troca de tiros e mortes. Seu instante de tensão maior se dá na sala do delegado, enquanto este lê algo que considera fundamental para seus agentes.

Porumboiu, conhecido pelo ótimo e humorado “À Leste de Bucareste”, continua desdobrando sua verve cômica – melhor seria dizer sarcástica – a partir do absurdo em que era aquele país sob a ditadura de Ceausescu.

No caso, o nosso ponto de vista é o do policial Cristi (Dragos Bucur). Cristi passa dias seguindo um jovem que oferece haxixe para os colegas na escola. O ato por si só já era suficiente para ser punido ali pela lei. Mas o policial acredita que a lei irá mudar muito em breve a partir da União Européia, e prender o rapaz iria arruinar sua vida. Assim, Cristi não quer ficar com peso na consciência por condenar o que considera uma boba irresponsabilidade. A questão é que para seu chefe, “consciência” tem um significado diferente.

Mesmo seguindo o mesmo aspecto estético de suas produções conterrâneo recentes, talvez “Polícia…” exagere um pouco na extensão dos planos longos e estáticos em que o policial consciente observa seu objeto de investigação. É possível que algum espectador ache enfadonho todo esse processo no filme, mas não há nada mais coerente nesse ritmo, considerando o desenrolar da história.

Porumboiu fez aqui uma bela fábula sobre a burocracia numa sociedade emburrecida por uma cartilha caduca. De um lado, o jovem policial que enxerga (e deseja) um futuro mais coerente para seu país; do outro, seu superior, enraizado nas únicas leis que conheceu e sempre o guiou. É um embate entre o sacramento num pedaço de papel contra o bom-senso; expressão cujo significado oficial não serve, legalmente, como defesa para muita coisa.

Num belo mosaico semântico, o cineasta brinca com o significado, a força e o sentido de palavras como ‘polícia’, ‘lei’, ‘moral’ e, claro, ‘consciência’. O resultado é um intrigante e reflexivo aditivo cinematográfico e filosófico para nos questionarmos além do óbvio escrito no dicionário.

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