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Críticas

Vincere

Como nasce um ditador

Por Luiz Joaquim | 27.08.2010 (sexta-feira)

Quando se vai ver um filme do italiano Marco Bellocchio, é fácil encontrar lá uma espécie de ensáio cinematográfico sobre a complicada relação do homem com a sociedade em que vive e, por conseguinte, do homem com o próprio homem. Estes ensaios não são, entretanto, estéreis do ponto de vista mais tradicional narrativo. Há, de maneira habitual, um enredo que conduz o espectador por uma trama embalada pela política.

E não é diferente em seu novo “Vincere” (Ita., 2009), em cartaz no Cinema da Fundação. Ali, apesar de a política não ser exatamente a protagonista, temos Bellocchio interessado em nos apresentar Ida Dalser (Giovanna Mezzogiorno), uma mulher tão forte quando é objeto de sua única paixão na vida: Benito Mussolini (1883-1945). É a partir da história de vida de Ida que o cineasta faz seu comentário, elegante, sobre a postura do ditador fascista contra a Itália.

Em performance que não permite o espectador descolar os olhos dela, Mezzogiorno (lembrada pela ótimo romance “O Último Beijo”, 2001) vive a amante de Mussolini, com quem teve um filho. Depois de traída, tenta insistentemente provar sua paternidade enquanto o Duce vai galgando, à força, seu percurso para a mais alta patente governamental italiana.

Mas, nos primeiros instantes, o que vemos é o jovem Duce (pela pele do ótimo Filipo Timi) impetuoso e entusiasmado no socialismo como solução para seu país. É um homem sedutor, mas sem recursos, por quem Ida confia todas as suas finanças e alma (em bela representação, com ela totalmente despida) em nome do empreendimento – o jornal Il Popolo d’Italia – que servirá a ele como alavanca para a carreira política.

Uma vez no topo, Benito dá uma rasteira no país e enxota Ida para um manicômio, perdendo esta, inclusive, a guarda do filho. Aqui começa um típico drama italiano, dos bons, com Bellocchio reutilizando material cinematográfico de alta qualidade, como “O Garoto” de Chaplin, e “A Paixão de Cristo”, exibido no teto para os doentes de cama.

Mesmo na primeira parte de “Vincere”, ainda na aproximação de Ida e Benito, Bellocchio usa a fusão de imagens de arquivo de forma a remeter para os preceitos do Futurismo italiano. É uma estratégia sedutora – mas que pode causar estranhamento em algum espectador – considerando o vasto material histórico que o país possui sobre a ascensão de Mussolini e da 2ª Guerra.

Esperta também é a opção do cineasta em, a partir do encarceramento de Ida, nos apresentar a imagem de Mussolini apenas por filmes de arquivo. O ator Filipo Timi sai de cena e a nossa referência do Duce passa a ser a mesma que Ida possui, ou seja, a das imagens nos cinejornais no manicômio. É uma forma precisa de mostrar o quanto, naquele momento, o Duce passou a ser uma figura distante tanto para ela como é para nós, espectadores do século 21.

Como em seu filme anterior exibido por aqui, “Bom Dia, Noite” (2003), pelo qual foca as “Brigadas Vermelhas” e o sequestro do primeiro-ministro Aldo Moro em 1978, Bellocchio dosa política, história e a psicologia em seus personagens para dar voz aos esquecidos dessa mesma história; no caso de “Vincere”, ela é Ida Dalser.

Não é por outro motivo que, ao final do filme, fica um nó na garganta do espectador, numa orquestração perfeita, Bellocchio apresenta o falido destino final do Duce e o êxito, representado dramáticamente com Ida caminhando na chuva, para em seguida vermos o título “Vincere” (‘vencer’ em italiano) aparecer gigante na tela. São combinações como estas que geram o que há de mais potente no bom cinema.

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