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Lume Filmes

O catálogo de resistência da Lume Filmes

Por Luiz Joaquim | 08.10.2010 (sexta-feira)

Enquanto o mercado nacional de DVDs enfrenta dificuldades naturais com a pirataria e as facilidades da internet, além da revolução tecnológica do blu-ray, há uma distribuidora que ainda mantém lançamentos regulares. A maranhense Lume Filmes, fundada em 2006, tem no catálogo de lançamentos de obras que representam um tipo de luxo cinéfilo, um balanço equilibrado entre cânones do cinema autoral e longas-metragens obscuros. A Lume programa para o fim do ano lançamentos de filmes do cineasta francês Claude Chabrol, que morreu recentemente, “Nas garras do vício” (1958) e “Os primos” (1959), e seis obras do diretor alemão Fassbinder.

O projeto começou a partir do interesse pessoal de Frederico Machado, proprietário da Lume. “Em 2006, comprei os direitos de distribuição de seis filmes, e para isso gastei toda minha economia, R$ 60 mil. O projeto vingou, tivemos apoio grande, da imprensa, de pessoas da área. No começo, lançávamos dois filmes a cada 45 dias, hoje lançamos quatro filmes por mês”, contabiliza Frederico. Até hoje, a Lume já lançou 108 filmes, e tem mais 30 projetos em preparação para lançamento no ano que vem, além do interesse em comercializar obras em blu-ray.

A curadoria é do próprio Frederico, e é baseada no fluxo pessoal de sua memória afetiva. “Quando morei no Rio de Janeiro, nos anos 1990, minha casa era ao lado de um cinema, e lá conheci o Cineclube Botafogo. Os filmes que seleciono para a Lume representam os trabalhos que vi durante viagens, em cinematecas, nesse cineclube, filmes que me marcaram”, explica Frederico, que tem formação em jornalismo, cinema e filosofia.

A Lume parece se distinguir no mercado nacional não apenas por uma filmografia que representa um tipo de cinema com fruição de nicho e obstruído pelo tempo, mas também através de detalhes variados, do cuidado com a autoração do filme até o design gráfico de cada DVD. “A identidade gráfica é feita por Renan Costa Lima, designer do Ceará, que mora em São Paulo. É um cara que tem uma cabeça parecida com a nossa. A gente tinha uma ideia, queria que as pessoas já soubessem que é um filme da Lume a partir da capa”, comenta Frederico.

O trabalho na empresa é feito por pouca gente que tem em comum um interesse elevado pelo cinema. “A Lume é composta por seis funcionários, que trabalham em áreas diversas, curadoria, autoração, material gráfico, locadora, distribuição, assessoria de imprensa”, comenta Frederico. “É um grupo pequeno, formado por pessoas que gostam muito de cinema”, comenta o diretor da instituição.

Além do trabalho com lançamentos que suprem lacunas do mercado nacional de DVD, a Lume opera com outras vertentes no campo do cinema. Ao papel de distribuidora, a empresa soma trabalhos como produtora e exibidora. “Tinha um cinema fechado aqui em São Luís, o Cine Praia Grande. Abriram licitação para esse cinema, ninguém queria, então arrendei e começamos a trabalhar também com exibição. A programação normal é voltada para filmes autorais, ‘filmes de arte’, nacionais e independentes. Já fizemos festivais de cinema nele, o Festival de Internacional de Cinema do Maranhão”, explica o curador.

Para o ano que vem, a Lume pretende lançar uma coletânea de 100 análises, escritas por jornalistas e críticos de cinema do Brasil (Luiz Joaquim, crítico desta Folha de Pernambuco, participa com texto sobre “Um anjo em minha mesa”), além de estender sua atuação para lançamentos de filmes em 35mm e digital, para salas de cinema com programação voltada para produções alternativas. “Decidimos trabalhar com película, com obras do cinema autoral, do cinema europeu, filmes que em geral passam na Mostra Rio / São Paulo, mas muitas vezes não entram em cartaz”, adianta Frederico.

Cinema autoral e independente
Quando vemos o catálogo de filmes da Lume percebemos o interesse da empresa em se filiar a um tipo de perfil autoral e independente. São obras que até pouco tempo permaneciam restritas a cinéfilos que fazem downloads de longas ou curtas-metragens pela internet, às vezes com baixa qualidade.

O recorte no cinema norte-americano, por exemplo, evidencia filmografias que se afastam da narrativa tradicional, como a de Todd Solondz, cineasta que através dos longas-metragens “Bem vindo à casa de bonecas” (1995) e “Felicidade” (1998) observa questões sociais e sexuais a classe média norte-americana.

Há outros exercícios autorais de diretores dos EUA, como “Crash” (1995), de David Cronenberg, exemplar forte de tensão sexual e mecânica, sobre pessoas que se excitam e encontram razões para a existência apenas durante acidentes de carro. Ou então “A conversação” (1974), de Francis Ford Coppola, em que o diretor mistura referências existenciais ao cinema europeu de Antonioni com uma proposta de estudo de perfil psicológico de personagem imerso em sua obsessão.

Há ainda obras distantes do centro geográfico da cinematografia mundial, como o filme russo “Vá e veja” (1985), em que Elem Klimov registra o horror da guerra a partir do ponto de vista de uma criança. Ou “A cor da romã” (1968), de Sergei Parajanov, exemplar do cinema armeno em que os códios da cinebiografia são revirados a partir de alto nível de interesse experimental. O cineasta Wong Kar-wai, de Hong Kong, também foi lançado pela distribuidora, com o filme “Felizes juntos” (1997).

Já a coletânea “Cinema marginal” reforça o interesse pela memória e pelo resgate do cinema nacional, com longas e curtas-metragens de cineastas incontornáveis do cinema brasileiro, como Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla e Julio Bressane. É de Tonacci o curta-metragem “Bla bla bla” (1968), em que o diretor expõe um argumento politizado sobre o Brasil, e longa-metragem “Bang bang” (1970), que o cineasta trabalha com experiências narrativas do cinema moderno

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