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Reportagens

O cinema no Armorial

Qual a herança deixada pelo Armorial ao cinema pernambucano?

Por Luiz Joaquim | 20.10.2010 (quarta-feira)

Se apuramos para as extremas peculiaridades de cada expressão artística, torna-se um desafio laborioso, hoje, perceber e decifrar o conceito das idéias lançadas e desdobradas há mais de 40 anos pelo Armorial e que podem ser manifestada, ou não, no cinema. Antes de chegar ao momento atual, vale lembrar que o início desse possivel casamento, lá no final dos anos 1960, não foi lá muito feliz quando avaliado por especialista.

O crítico de cinema Celso Marconi lembra, por exemplo, de “A Compadecida” (1969), a primeira versão cinematográfica da peça “O Auto da Compadecida”. O direito de adaptação foi concedido por Ariano Suassuna ao empresário publicitário George Jonas, com quem o próprio escritor co-adaptou o roteiro, vindo a ser dirigido por Jonas. “Foi uma produção grande, cercado pelos mairos talentos da época, como Francisco Brennand responsável pelo figurino e direção de arte, mas o resultado gerou muita polêmica”, recorda Celso sobre o filme gravado em Brejo da Madre de Deus que contava com os nomes de Regina Duarte, Armando Bógus, Ary Toledo, Antônio Fagundes e José Carlos Cavalcanti Borges no elenco.

O escritor Fernando Monteiro, à época um jovem de 18 anos que colaborava com Fernando Spencer escrevendo críticas no Diário de Pernambuco, colaborou no filme como assessor de imprensa e assistente de produção do filme. “Os questionamentos que vieram depois da obra pronta eram em benefício da peça. Para entender o traumático resultado é preciso registrar que Jonas não era um cineasta, mas sim um empreendedor que, tendo realizado alguma publicidade e filmes institucionais, topou com a peça e percebeu ali uma bela oportunidade de fazer um longa-metragem”.

Muito da controvérsia, conta Monteiro, vem da informação que circulava naquele momento de que, antes de Jonas procurar Ariano, Glauber Rocha e até Elia Kazan, que havia visto a peça em Nova Iorque, haviam demonstrado interesse em fazer a versão cinematográfica de “O Auto…”. Monteiro acredita que, independente de ser verdade ou não, parecia soar mais interessante ao autor da obra estar mais presente na confecção do filme, o que provavelmente não aconteceria se ela estivesse nas mãos de Glauber e/ou Kazan.

Pertinente lembrar que a adaptação seguinte chegou ao cinema sob os cuidados de Os Trapallhões, em 1987 dirigido por Roberto Farias. Um sucesso de público menos pelos aspectos armoriais e mais pela popularidade do quarteto da TV Globo. Sucesso também aconteceu em 2000, com a versão televisiva de Guel Arraes, indo depois aos cinemas. Mesmo sendo reconhecidamente a melhor adaptação para o audiovisual dos três produtos, é notória a boa funcionalidade da série pela dinâmica televisiva aplicada à narrativa, tão bem aplicada por Arraes.

Ainda amarrado aos primeiros ideais do Armorial, Celso Marconi recorda de “A Noite do Espantalho” (1974) de Sérgio RIcardo. Uma espécie de ópera-rock do Nordeste rodado em Nova Jerusalem, com Alceu Valença como um espantalho que acompanha colonos ameaçados por um coronel. “Mas hoje, eu diria que a filmografia de um cearense, Rosemberg Cariry, é a que está mais próxima desse conceito”, pontifica o crítico.

Naquela mesma década de 1970, um sem número de filmes em Super8 foram produzidos em Pernambuco sem que hoje haja um registro oficial e totalizador dessa produção. Assim sendo, não seria improvável que um destes filmes corressem pela influência da estética sugerida por Ariano. Ironicamente, um dos filmes mais celebrados desse período, “O Palhaço Degolado” (1977), de Jomard Muniz de Brito e Carlos Cordeiro, não é exatamente uma exaltação ao Armorial, mas sim uma bela provocação crítica.

HOJE
Para olhar a produção cinematográfica contemporânea pelos olhos armoriais é saudável entender que, 40 anos depois da proposta, o termo “armorial” é um adjetivo mais amplo e mais compreendido, longe das contendas regionais. Quem chama a atenção para isso é a antropóloga professora da pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco, Maria Aparecida Nogueira, também autora do livro “Ariano Suassunae: O Cabreiro Tresmalhado” (Palas Athenas Editora, 2000).

“Em termos cinematográficos, a estética armorial reitera o realismo mágico, e o realismo mágico contempla os mitos. Sendo assim, eu perguntaria como o nosso cinema contempla hoje os mitos?”, diz a pesquisadora. E prossegue: “Dessa forma, eu percebo um diálogo em filmes como ‘O Céu de Suely’, e também ‘O Baile Perfumado’. Não há nada mais adequado a uma releitura cinematográfica contemporânea para o mito de Lampião que neste filme”.

Em sua pesquisa, a antropóloga localizou inclusive um diálogo entre Ariano e Glauber, e um texto teórico do escritor falando de seu desejo de ver mitos emergirem pelo cinema, usando como exemplo o cinema japonês.

Já no filme de Luis Fernando Carvalho, particularmente em “Lavoura Arcaica” (da obra de Raduan Nassar), Nogueira comenta que o diretor dá poder à imagem de forma que somos atingidos facilmente por questões humanas. “E quanto mais a gente mergulha no sentimento humano, mais universal passam a ser a dor e o sofrimento. Um incesto específico, passa a ser um incesto de qualquer grupo social e de qualquer tempo. Quando conseguimos atingir o mito, saímos mais maduro do regional. Esse mito possibilita atingir o sonho, e sonhos diz respeito a todos nós”, conclui.

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