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Festivais

9. Triunfo (2016) – Seminário Preservação

Especialistas discutem no Sertão do Pajeú sobre a preservação audiovisual regional.

Por Luiz Joaquim | 12.08.2016 (sexta-feira)

 

TRIUNFO (PE) – Por meio de uma parceria celebrada entre a Secretaria de Cultura do Estado/Fundarpe com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), o 9o Festival de Cinema de Triunfo promoveu um seminário na tarde de ontem (11/08) cujo elenco o qualificava para qualquer grande festival de cinema. E ainda, para falar de um assunto nobre e pouco acessado por festivais de cinema no Brasil: a preservação.

O encontro Diálogos da ABPA: a importância dos arquivos regionais reuniu no salão nobre da prefeitura de Triunfo o recém-empossado presidente – Carlos Roberto de Souza – da instituição em questão (a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual – ABPA), além do especialista Fabrício Felice dos Santos, e o professor de cinema da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fernando Weller. A mesa foi mediada por Albertina Lacerda Malta, historiadora da Fundaj.

Em sua apresentação, Albertina lembrou que os acervos audiovisuais são patrimônio cultural, e é sempre importante questionar se Estado cumpre com seu dever constitucional de cuidar disto. A respeito da assimetria entre as competências regionais no campo da preservação, ela também destacou que há uma assimetria política, em três esferas – municipal, estadual e federal – no que diz respeito ao interesse e investimentos para a preservação fílmica.

Fabrício Felice destacou que a preservação deveria estar na pauta de todos os festivais de cinema. “Em alguma momento, todo o realizador terá de se deter nesse tópico”, alertou.

Após desenhar um pouco do histórico do conceito de preservação ao longo do século, o especialista chamou a atenção para o fato de que “a gente lida com a institucionalização da preservação, e ela está muito ligada a órgãos públicos, o que implica em alguns problemas”.

Alguns dessas dificuldades foram ilustradas com exemplos das duas maiores referencias no Pais para preservação audiovisual – a Cinemateca Brasileira e a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro -, criadas a partir de modelos europeus.

“Se abrimos o leque, veremos que há um acervo não explorado próprio de hospitais, prefeituras, universidades, etc. A diferença é que acervos assim não eram acompanhados pela ideia de preservação. Eram guardados apenas enquanto tinham alguma utilidade pontual”, contextualiza.

Fabrício também chamou a atenção para o advento digital e o duplo desafio que ele trouxe. “Que é continuar preservando o analógico e também o formato digital que se molda constantemente pelo mercado”. E alerta, “muitos podem pensar que o formato DCP seja o melhor para você manter seu produto seguro, mas nem é. Fala-se hoje no formato DCDM como o mais seguro para guardar uma matriz audiovisual”.

Outro ponto levantado foi que instituições publicas têm de mostrar a sua importância, “e às vezes isso se traduz na rentabildiade do seu serviço, o que gera um conflito. Preservar significa um trabalho a longo prazo, porque ele não se encerra na restauração. Ao criar novas cópias, a preservação continua. Assim como a curadoria para a difusão. Isto envolve programação, pessoas especializadas para receber um acervo, para saber como acondicioná-lo, como disponibilizar o filme e para que situação demandada”, concluiu.

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Fabrício, Weller, Albertina, e Carlos Roberto em Triunfo (PE)

Para Carlos Roberto, os colecionadores privados devem ser lembrados a apoiados. “Infelizmente não existe uma pesquisa profunda no Brasil sobre seus colecionadores”, disse.

Ele destacou dois nomes em Pernambuco pelo trabalho que empenharam na manutenção de copias raras. Jota Soares, por ter salvado as copias do Ciclo do Recife (anos 1920) – “e só por esse seu esforço conhecemos hoje aquele acervo” -, e Lula Cardoso Ayres Filho, que cultua desde a infância um arquivo iniciado pelo seu pai, cuja coleção já revelou títulos que nenhuma outra cinemateca no Brasil possuía, tornando possível assim seu resgate”.

O presidente da ABPA lembrou também que no Brasil havia uma falta de política para o patrimônio. “Foi uma consciência muito lenta, que começou a se definir pelo governo brasileiro na segunda metade dos 1970. Uma pessoa importante para o surgimento dessa consciência foi outro pernambucano, o Aloísio Magalhães”.

O que se verificou ao longo das décadas, continuou Carlos Roberto, foi que “quase automaticamente todos os acervos eram enviados para a Cinemateca Brasileira. Passou-se ao governo central essa responsabilidade, desobrigando os governos regionais a cuidarem de seus acervos”.

“Ao longo dos anos, surgiram os ‘Museus da Imagem e do Som’ pelo Pais inteiro. O perfil era difuso mas eles tiveram papel importante em reunir um material iconográfico grande, com acervo de grande signficado”, resgatou.

O presidente da ABPA lembrou da importância da criação em 2008 da entidade que representa – agrupando não instituição, mas profissionais – e do passo largo que foi dado pela categoria no último encontro em junho de 2016, em Ouro Preto (MG), quando foi criado um plano preservação nacional.

Do documento de seis páginas, Carlos Roberto ressaltou dois itens: promover o avanço da descentralização, construir redes, e determinar recursos específicos e suficientes para órgão regionais.

“A regionalização estava nos planos da ABPA, foi pensada sob o estimulo da gestão anterior da Secretaria do Audiovisual (SAV) do MinC. Seria um plano de governo mas articulado pela sociedade, de política publica. Propõe uma governança da preservação do audiovisual no Brasil. Uma ação conjunta entre privado e público. É uma questão social e estatal”, encerrou.

Steven esteve aqui

Weller foi convidado a compor a mesa para falar como o usuário de arquivos audiovisuais, uma vez que está desenvolvendo o projeto do documentário Steven esteve aqui.

O argumento original seguia uma lenda popular que reza sobre uma hipotética estada de Steven Spielberg no Brasil, em particular em Afogados da Ingazeira (PE), para onde ele tinha fugido do governo norte-americano evitando lutar contra o Vietnã.

“Enfim, parto daí para falar de uma intervenção branca dos EUA na região naquela época, período militar, quando também foi criada uma Escola Americana no Recife e surgiu uma verdadeira ocupação daquele País na cidade”.

Weller destacou que sob sugestão de João Moreira Salles, ele acessou arquivos na biblioteca do congresso americano e na JFK Library onde encontrou filmes a cores em 35mm em perfeito estado de conservação com o presidente João Goulart em visita oficial aos EUA, sendo recebido por Kennedy. “Foi uma surpresa, não estamos acostumados a ver nossos lideres daquela época em cores”.

Por um livro norte-americano, o pesquisador também soube de um filme que o autor assistiu nos anos 1960 na Sudene, que documentava o golpe de 1964 e mostrava Miguel Arrais sendo deposto do Palácio do Campo das Princesas. “Fui a Sudene em busca do tal filme, soube que havia uma versão em VHS, e me deparei com um acervo enorme, mas confuso. E acabei pagando uma fortuna para utilizar as imagens de uma copia norte-americana do filme, que está sob os direitos de Hugh Hefner, o dono da revista Playboy”.

Weller também destacou aquilo que chama de culto ao autor, no campo da preservação, e o estado brasileiro é contaminado por isso. “Nos EUA, preservar é uma função pública e ponto. Uma propaganda cômica não seria preservada aqui, e hoje, uma obra assim que descobri lá, será utilizado num novo filme”.

O professor encerrou lamentando que no Brasil os arquivos têm uma função cartorial, e o ideal é que os editais passassem a exigir arquivos para preservação.

Por fim Weller disse que sugeriu na reformulação da grade curricular do curso de cinema da UFPE a inclusão de uma disciplina sobre preservação. “Mas fui convencido pelo contrario porque simplesmente não teríamos professores. Quem sabe não fazemos uma parceria com a Fundaj para promover um curso de pós-graduação na área e formamos aí em dois anos um grupo de 30 pessoas”, encerrou.

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