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Críticas

Uma casa à beira mar

A parábola da finitude, da nostalgia e da inevitável renovação, por Guédiguian.

Por Luiz Joaquim | 13.07.2018 (sexta-feira)

É como uma família, cujos membros se reencontram anualmente por circunstâncias sociais e que, durante estes compromissos, trazem suas experiências particulares, adquiridas individualmente. Somadas tais vivências, testemunhamos por elas um elo curiosíssimo e raro de encontrar no cinema. Elo atado principalmente por um ingrediente fino (e raro) que nos possibilita vê-los amadurecer e envelhecerem juntos por meio dos filmes que vêm nos dando ao longo de décadas – e, nesse processo, nos percebermos envelhecer junto a eles.

Estamos a falar dos atores Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin e Gérard Meylan, que estão reunidos, mais uma vez, dentro de um filme do “pai” de todos, o diretor, produtor e roteirista marselhense Robert Guédillian (64 anos). O filme é, no caso, Uma casa à beira mar (La Villa, Fra. 2017), em cartaz no Recife desde ontem (12).

É o 20º trabalho de Guédiguian na direção, que vem unindo o trio de atores desde seu terceiro longa-metragem, Ki lo sa? (1986). Eles já foram amantes (Marie-jo e seus dois amores), casados (As neves de Kilimanjaro), amigos (Ki lo as?), bandidos (Lady Jane) e mesmo antagonistas violentos (A cidade está tranquila), entre outras circunstâncias dramáticas. Perpassando tudo isso, está injetado por Guédiguian em seus enredos uma preocupação com a condição social, sob uma perspectiva não do centro (Paris), mas da borda (Marselhe), onde vivem seus personagens.

Em Uma casa… Angèle (Ascaride), Joseph (Darroussin) e Armand (Meylan) são irmãos que voltam a reunir-se, décadas depois, no belo e pequeno vilarejo às margens do Mar Mediterrâneo, onde cresceram. Estão lá para discutir a herança de seu velho e viúvo pai Maurice (Fred Ulyssen), acometido por um AVC que o deixou catatônico.

Nesse núcleo, o único que permaneceu ao lado do pai, na vila, foi Meyland. Ele cuidou do modesto restaurante da família, mantendo-o no espírito simples e de qualidade fundado pelo patriarca. Já Joseph fez a vida longe, como um professor/escritor radical em sua posição política, e desiludido por um conflito entre a sua crença e a sua origem; enquanto Angèle tornou-se uma atriz de renome, no teatro e no cinema, e que se afastou da vila e da família após um profundo trauma.

Ao redor desse núcleo, Guédiguian nos apresenta o casal de idosos Martin (Jacques Boudet) e  Suzanne (Geneviève Mnich), amigos de Maurice. Eles formam aqui uma bela representação de um passado aparentemente digno e harmonioso – atenção às fotos emolduradas na parede – do que já foi um dia a pequena vila, e no que veio a se transformar aquele endereço com a especulação turística que a tudo atropela e transforma/deforma.

Há nesse sentido, uma inegável nostalgia nesse novo Guédiguian. Vemos isso tanto no casal Martin e Suzanne, em suas lembranças ao lado do moribundo Maurice, quanto na saudade de infância do duro Joseph, ao lembrar da alegria da infância ao lado da árvore de natal do vilarejo.

É uma nostalgia interessante de perceber, se lembramos que aqui há um diretor que avança na idade (mas não envelhece artisticamente). A nostalgia está lá porque existe no filme uma constante presença da finitude; ora na figura vegetativa e em direção ao fim em que se tornou Maurice, ora nos quebrantados Martin e Suzanne, sentindo-se humilhados diante de um vilarejo que já não mais reconhecem e lhes encurrala em dívidas que só o bem-sucedido filho (Yann Trégouët) poderia ajudar. A própria vila, enfim, parece também está indo de encontro ao fim (ou ao menos a um fim), no processo de tornar-se algo distante do que já foi um dia. “O que aconteceu? Por que as ruas estão desertas? ”, pergunta Angèle quando volta à cidade, no início do filme.

Temos ainda, como representação da presença da finitude, o romance entre Joseph e Bérangère (Anaïs Demoustier), a namorada com metade de sua idade. Ele, o romance, caminha para um melancólico fim, em função do descompasso entre o sessentão e a balzaquiana.

Entre a finitude e a nostalgia, Guédiguian brinca com o seu cinema, como já fez em Marie-jo e seus dois amores (e que muito poucos realizadores podem dispor disso – Truffaut foi um deles), nos ofertando imagens do seu próprio cinema, feito no passado. Aqui neste Uma casa… ele inclui cenas de Ki lo as? para ilustrar como foi feliz a juventude do trio protagonista.

Mas Guédiguian, como exímio comentarista sócio-político que é em sua obra, evita, com maestria, um final nostálgico, apimentando o enredo ao trazer um dos temas mais caros da atualidade, o de imigrantes ilegais.

No caso, eles não aparecem no filme como uma ameaça, mas como uma esperança, uma renovação. Eles são três irmãos pequenos – uma menina e dois meninos. Crianças como um dia já foram Angèle, Joseph e Meylan, e que hoje já não lembravam mais do que isso significava. É um reencontro com a própria vida. É, enfim, o renascimento, ainda que a morte os circunde.

 

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