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Reportagens

Cineasta questiona Bial sobre Fest. de Gramado

Cassol indaga da curadoria de Bial para o Festival de Gramado após entrevista contra filme de Petra Costa

Por Luiz Joaquim | 04.02.2020 (terça-feira)

Em entrevista ontem (3), na Rádio Gaúcha, o jornalista a apresentador de tevê, Pedro Bial, conversou por quase 30 minutos com o apresentador do programa Timeline sobre alguns assuntos relacionados à cultura, incluindo a indicação da atriz Regina Duarte à Secretaria de Cultura do governo federal; sobre o programa Big Brother Brasil e sobre o filme Democracia em vertigem (leia crítica do filme clicando aqui), de Petra Costa. Produção que no próximo domingo (9) concorre ao Oscar de melhor documentário.

Publicamos aqui um resumo feito pelo Rádio Gaúcha sobre a perspectiva de Bial sobre o documentário e, na sequência, leia texto publicado hoje (4) pelo cineasta gaúcho Luiz Alberto Cassol, em sua conta no Facebook, questionando, entre outros aspectos caros à cultural, qual será a linha curatorial do jornalista com relação à programação do Festival de Gramado, na Serra Gaúcha, para o qual foi convidado, em agosto do ano passado, a assumir sua curadoria (leia aqui).

Abaixo, o resumo que a Rádio Gaúcha publicou, em seu site, das falas do apresentador da TV Globo a respeito do filme e, logo na sequência, veja as questões levantadas pelo realizador Luiz Alberto Cassol. Você também poderá ouvir a entrevista na íntegra com Pedro Bial aqui, no corpo desta publicação.

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Indicado ao Oscar de Melhor Documentário, Democracia em Vertigem foi bastante criticado por Bial na entrevista. Segundo o apresentador, ele reagiu com muitas gargalhadas ao filme.

— Eu dei muita risada. É um  “non sequitur” (expressão em latim para “não se segue”)  atrás do outro. Tira conclusão de que algo leva a outro sem a menor relação causal. O filme vai contando as coisas num pé com bunda danado – avaliou. – Uma narração miada, insuportável, ela (Petra) fica chorando o filme inteiro — comentou.

Para Bial, a leitura mais interessante do filme é a psicanalítica.

— É um filme de uma menina dizendo para mamãe dela que fez tudo direitinho, que ela está ali cumprindo as ordens e a inspiração de mamãe, somos da esquerda, somos bons, não fizemos nada, não temos que fazer autocrítica. Foram os maus do mercado, essa gente feia, homens brancos que nos machucaram e nos tiraram do poder, porque o PT sempre foi maravilhoso e Lula é incrível — analisou.

Na entrevista, ele classificou o documentário como uma “ficção alucinante”:

— É mais que maniqueísmo, uma mentira.

Contudo, Bial disse que o documentário é bem executado e entende por que foi indicado ao Oscar.

— Acho que tem chance de vencer. Depois que vi Indústria Americana, acho que a academia dá o prêmio ao filme brasileiro

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Abaixo, texto publicado em seu perfil no Facebook pelo cineasta gaúcho Luiz Alberto Cassol a partir dos comentários de Pedro Bial:

“Qual será tua curadoria no Festival de Cinema Gramado, Bial?

Bial,

Tua fala sobre o filme “Democracia em Vertigem”, da Petra, é reveladora em vários aspectos. A tua declaração repercute em inúmeros espaços. O tom machista e preconceituoso ficou explícito.

Tenho lido muitas pessoas rechaçando de todas as formas tua entrevista, e eu concordo com essas pessoas. Tua fala manifesta uma dificuldade de lidar com a narrativa de uma mulher. Impotência de entender uma narrativa de um filme.

Poderia aqui falar sobre vários aspectos. Mas quero me ater a algo de minha aldeia. Vou me restringir ao Rio Grande do Sul. Aliás, foi por uma emissora daqui a Rádio Gaúcha, que tua aversão ao filme foi revelada ontem. Mas sempre é bom lembrar do “Canta à tua aldeia e cantarás ao mundo”.

Quero me limitar a um lugar de fala para questionar e refletir sobre tuas convicções expressas no “recado” para a Petra.

Vamos ao Festival de Cinema de Gramado, realizado aqui no estado, o qual tu fostes anunciando no ano passado como integrante da curadoria. Um festival que é marcado em boa parte de sua trajetória por filmes engajados, posicionados, políticos, de causa, enfim. Na Era Collor, com o fim da Embrafilme – numa lembrança de outro presidente que quis terminar com o nosso cinema -, o festival teve que se reinventar para seguir. Tu deves saber disso.

Sou diretor de cinema e frequento o festival como público e como realizador com alguns filmes curtas e longas já exibidos por lá. É um festival por qual tenho muito apreço. Por sua história de resistência, pela abertura de espaço para realizadoras e realizadores e também pelos debates e encontros que promove.

Por outro lado, discordo de algumas atividades postas no festival, principalmente aquelas que visam exclusivamente a valorização ou o simbolismo do “tapete vermelho” e as implicações que derivam disso.

No ano passado, tu estavas lá na última noite quando artistas fizeram uma manifestação pacífica em defesa da arte no país. Um diretor inclusive com uma criança no colo. O que eles receberam de parte do público elitizado que estava do lado de fora do cinema em bares e restaurantes no entorno do tapete vermelho? Esse público estava lá só pela badalação. Dos filmes do festival, queriam distância. Tu lembras? Elas e eles, artistas, foram agredidos fisicamente e psicologicamente. Neles e nelas, artistas, foram arremessados restos de comida, bebidas, latas de cerveja, aos gritos de “vagabundos”.

Se houver um documentário que retrate tal momento tu vais dizer o quê? Vais ir ao encontro com a realidade, com a perspectiva de alguém demonstrar sua indignação contra a violência ao fazer artístico? Ou vais achar que é algo da ficção de produtoras e produtores em vertigem?

Vamos ao nosso lugar de fala, Bial. Lugar de homens brancos privilegiados num país que mata mulheres e negros dia e noite.
O que tu pensas disso?
Qual a tua opinião sobre filmes que tratam desses temas?
Não estou fazendo juízo de valor. Estou perguntando.

Tua linha curatorial será de censura a filmes que não versem sobre a tua forma de ver o mundo?
Ou tu terás a capacidade de entender que a arte é múltipla, diversa, multifacetada e que, muitas vezes, irá diretamente de encontro ao que tu pensas?
Que o papel do curador é exatamente se abrir para todas as possibilidades?

Qual será tua linha curatorial para filmes dirigidos por mulheres negras e brancas?

Qual será tua linha curatorial para filmes com temática indígena?

Qual será tua linha curatorial para filmes vindos da periferia?

Qual será tua linha curatorial para filmes que tratem sobre a violência contra mulheres?

Qual será tua linha curatorial para filmes LGBTQI+?

Qual será tua linha curatorial para filmes que denunciem os problemas de saúde, desemprego e a miséria que brasileiros e brasileiras sofrem todos os dias?

São questões que te apresento porque dialogar e questionar é preciso.

Adjetivos como heróis e heroínas, que usastes em um programa televisivo em outras oportunidades, devem ser dados para a classe artística desse país, Bial, tão agredida em toda a sua estrutura em nossos dias.

Com respeito,
Luiz Alberto Cassol
Cineasta”

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