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Festivais

44ª Mostra SP (2020) – Sibéria / Suor

Malhar pelo carinho, rememorar para matar os demônios

Por Luiz Joaquim | 26.10.2020 (segunda-feira)

Sylwia (Magdalena Kolesnik) é para a sociedade polonesa como uma boneca Barbie que fala. Loira, esbelta e sorridente, ela despeja diversas vezes por dia em suas redes sociais, para seus 600 mil seguidores, palavras de alegria, os estimulando a serem saudáveis, ou melhor, fitness; que consumam comida macrobiótica, suplementos alimentares e, claro, malhem diariamente para terem um shape igual ao dela.

Mas por trás do corpo esguio, do sorriso perfeito e dos olhos azuis, Sylwia é apenas mais uma carente do moderno mundo midiatizado. Numa demonstração pública de vulnerabilidade, a musa posta uma mensagem chorosa, revelando que gostaria de ter alguém para pegar na mão e se sentir segura. É o suficiente para um de seus patrocinadores temer pela imagem de seu produto associado à tristeza da moça.

Sobre o caso, Sylwia, ingênua, logo afirma com ar superior ao seu empresário: “Eu publico o que eu quiser”. Na sequência, ao chegar em casa, ela faz um vídeo “casual” consumindo “feliz” o produto da empresa que suscitou deixar de apoiá-la. Mas esse modus operandi dos influenciadores digitais é apenas um dos fascinantes aspectos que Suor (Sweat, Pol./Sue., 2020), ficção do diretor sueco Magnus Von Horn, nos apresenta.

Magdalena Kolesnik em cena de “Suor”

Detentor do selo ‘Seleção Oficial de Cannes 2020’ e disponível para acesso até 4/11 pela 44º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme também passeia pelo horror dos chamados stalkers, fãs que perseguem seus ídolos insistentemente e por razões diversas, incluindo aí as hostis.

Neste caso, o interessante é o enredo colocar o stalker de Sylwia no mesmo patamar de fragilidade emocional em que está a popstar do fitness polonês, e fazê-la identificar-se com ele. Fora isso, e de um modo geral, Suor constrói a história de sua protagonista a partir de características que residem no imaginário habitual sobre figuras como Sylwia, ou seja, extremamente vaidosas, dispostas a sacrificarem-se pela fama e autoindulgentes quando se percebem conscientes de que se tornaram escravas de personagens sociais que, no fundo, não mais as representam.

O luxo dessa produção está mesmo é na performance de Magdalena Kolesnik, do jeito que o Oscar gosta. Para as várias circunstâncias em que a simpática protagonista é confrontada (inclusive pela própria mãe), ela precisa se impor, embora não se permita. Em outras palavras, ela se anula em nome da imagem que criou para si e que criaram para ela. E isso não chega sem consequências.

Kolesnik trabalha com as variações mais difíceis da expressão humana: segurar um sorriso enquanto o seu interior está completamente despedaçado. É comovente e também suficiente para fazer de Suor um filme a ser observado com atenção.

Sibéria (Ita./ Ale./ Mex., 2020) De Abel Ferrara. 92 min. 16 anos. Perspectiva Internacional – Aquele que conhece apenas um pouquinho da filmografia de Abel Ferrara sabe que a cabeça do cineasta nova-iorquino é uma máquina em contínuo questionamento moral, triturando valores pautados pelo sexo, poder e religião.

Willen Dafoe em cena de “Sibéria”

Neste Sibéria, o próprio cenário gélido e desértico parece representar o que poderia ser o interior da cabeça do cineasta. Nele habita um homem de meia idade, Clint (o incansável Willem Dafoe), solitário e com uma longínqua lembrança da relação que mantinha com o seu pai. Dela, ele rememora a primeira nesga de masculinidade que atou pai e filho.

Servindo bebida e comida aos andarilhos estrangeiros que passam pelo seu modesto estabelecimento em meio ao nada cercado por neve, Clint é sugestionado a lembrar de suas mulheres, de sua mãe, irmão e inclusive da perdida inocência infantil, mas não sem passar pela provocação de seus próprios demônios em cavernas escuras.

Still de “Sibéria”

Não é fácil, enfim, esse trajeto interior que Ferrara pontilha para acompanharmos. Nem para os que o conhecem e talvez menos ainda para quem deveria conhecer.

Ferrara também está nesta 44ª Mostra de SP com Sporting’ life (2020), um documentário que realizou a partir do Festival de Berlim (ao qual foi convidado para competir com o seu Sibéria). Sporting’ life é uma espécie de diário que o cineasta escreveu entre fevereiro e agosto refletindo sobre sua própria obra e referências. Talvez convenha ver Sportin’ life antes de Sibéria.

Abel Ferrara

Leia mais sobre Abel Ferrara no CinemaEscrito, incluindo sua entrevista dada ao site em 2014 durante o 6º Festival de Paulínia.

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