X

0 Comentários

Festivais

13º Janela (2020/2021) – Programação

O Janela vai te fazer lembrar.

Por Luiz Joaquim | 06.03.2021 (sábado)

– na foto, do acervo pessoal de Maeve Jinking, a atriz com Fernanda Montenegro. Ambas participam às 15h de hoje do Aulas do Janela, um bate-papo online e gratuito.

Dia de abrir, novamente, o Janela. Entretanto, nesta 13º edição do Janela Internacional de Cinema do Recife – que inicia hoje (6) e segue até a próxima quarta-feira -, a estrutura que vai lhe fazer vislumbrar outros mundos não é Cinema São Luiz ou as salas da Fundação Joaquim Nabuco. O seu Janela, nessa era do novo coronavirus, será acessado pelo seu monitor pessoal e predileto, na sua residência, ou onde você se sinta protegido de um contágio. É a alternativa segura e sensata que a maioria dos festivais brasileiros adotaram desde o início da pandemia, que completa um ano aterrorizando o Brasil.

Toda a programação do 13º Janela (confira ao final desse texto) será promovida no ambiente online e de maneira gratuita com acesso pelo site do festival (clique aqui).

Na edição que acontece a partir de agora (referente a de 2020, ano em que o evento não aconteceu), o Janela propõem e explora o tema Eu me lembro, abordando a importância das memórias individuais e coletivas, dos arquivos e da preservação das histórias filmadas. Nada mais pertinente do ponto de vista político, considerando o assassinato sob o qual vem passando a memória e as instituição oficiais da memória no Brasil.  Vide a vinheta desta edição, realizada por Nara Normande, (clique aqui) e divulgada nas redes sociais do Janela (@janeladecinema), na qual a animadora chama a atenção, de maneira brilhante, para o quanto são importantes, para abrir os olhos das pessoas, a cultura e a memória.

Os diretores artísticos do festival, Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux, junto ao coordenador de programação Luís Fernando Moura e à produtora Dora Amorim, pensaram numa edição experimental do Janela como uma oportunidade de conversar sobre Cinema e Cultura durante a pandemia, além de reunir filmes raros do século passado e um conjunto de novos filmes realizados especialmente a convite do Janela, e que estreiam nesta edição.

Na programação: seis encontros intitulados ‘Aulas do Janela‘; o programa Eu Me Lembro com filmes exclusivos criados por realizadores brasileiros e estrangeiros a convite do festival; o programa Forum 50: Episódios de Luta, recorte curatorial da primeira edição da mostra Forum, seção do Festival de Berlim que estreava 50 anos atrás, numa seleção que põe foco nas lutas anticoloniais no continente africano e nos movimentos de libertação negra intercontinental; a sessão Arquivos Brasileiros, que recupera filmes raros; e a intervenção urbana “Respire”, do Coquevídeo, que será realizada numa data futura, por causa da atual situação de saúde pública nesta pandemia.

Os filmes da mostra “Eu Me Lembro” ficam acessíveis (como streaming) de hoje até quarta-feira. Os filmes dos programas Forum 50: Episódios de Luta e Arquivos Brasileiros serão disponibilizados por 24h. Para assistir o programa Forum 50, é necessário fazer um cadastro gratuito no site do Janela. Na quarta (10), os filmes de ambos os programas terão reprise por mais 24h.

Já as Aulas do Janela serão transmitidas ao vivo. Os cem primeiros inscritos em cada aula terão acesso ao encontro online através da plataforma Zoom. Os demais interessados poderão assistir a transmissão ao vivo pelo site. Entre as convidadas (apenas mulheres) as Aulas do Janela, promovem conversas entre as atrizes Maeve Jinkings e Fernanda Montenegro, entre a crítica de cinema e professora Kênia Freitas e a diretora de cinema e atriz francesa Mati Diop, esta vencedora do Grande Prêmio do Festival de Cannes em 2019, com Atlantique, seu primeiro longa-metragem.

Em pauta também um bate-papo entre Luís Fernando Moura conversa com as curadoras e pesquisadoras Jacqueline Nsiah e Janaína Oliveira sobre “Lutas negras 50 anos depois, ou desbravando episódios de cinema e rebelião”. A conversa trará o debate sobre os filmes apresentados no programa Fórum 50: Episódios de Luta.

Colocando em debate a importância das cinematecas, Débora Butruce conversa com Tiago Baptista sobre “Preservar, restaurar filmes em tempos de desmonte e de aliança”. Débora é presidenta da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) e Tiago é diretor do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, centro de conservação da Cinemateca Portuguesa.

Na última aula, Kleber Mendonça Filho conversa com as artistas e pesquisadoras Bruna Rafaella, Vi Brasil e o diretor de cinema e preparador de elenco Leonardo Lacca o trabalho do coletivo Risco!. O grupo de artistas Risco! que promove uma transição entre diversas linguagens a partir do princípio de desenho com modelo vivo em tempos remotos.

ARQUIVOS BRASILEIROS – No contexto atual, no qual a Cinemateca Brasileira, maior arquivo audiovisual do país e um dos maiores da América Latina, permanece fechada e sem profissionais especializados há quase um ano, o Janela traz um programa de Arquivos Brasileiros, com curadoria de Débora Butruce. São três filmes de acervo do Centro Técnico Audiovisual (CTAv) e da Cinemateca do do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro: SRTV 307 – Cinemateca: Almoço na Cinédia – Nosso Cinema 80 anos (Martha Alencar e José Carlos Asbeg (supervisão), 1978, 11’), Pérola Negra (Reinaldo Cozer, 1979, 11’) e Viagem ao Brasil (Voyage au Brésil, Vital Ramos de Castro, 1927, 30’).

Imagem de “Pérola Negra”

INTERVENÇÃO URBANA – O Janela de Cinema sempre dialogou com a questão urbana em suas edições, com programações que priorizam as salas de cinema no centro da cidade. Já que nesta edição, não será possível ocupar as ruas e cinemas devido a pandemia do novo coronavírus, o festival convidou o coletivo Coquevídeo para criar uma  intervenção urbana com projeções de imagens no centro do Recife. As imagens da obra “Coquevídeo: Respire” serão projetadas numa data futura, que será anunciada posteriormente. O registro audiovisual da intervenção será disponibilizado no site do festival. A intervenção precisou ser adiada por causa da atual situação de saúde pública nesta pandemia.

O Janela Internacional de Cinema do Recife tem incentivo da Lei Aldir Blanc, Governo Federal, via edital do Governo de Pernambuco, Fundarpe, Secult-PE, patrocínio da Prefeitura do Recife, apoio do Consulado Geral da Alemanha no Recife, do Centro Cultural Brasil Alemanha e da Embaixada da França no Brasil.

SERVIÇO: XIII Janela Internacional de Cinema do Recife / de hoje (6) a 10 de março de 2021. Acesso gratuito

Confira a programação completa do 13º Janela.

Hoje – sábado (6/3)

 15h: Aulas do Janela 1: Cultura e história, de dentro da cena: Maeve Jinkings conversa com Fernanda Montenegro

16h: Forum 50: Episódios de Luta 1: Meus Vizinhos (Mes Voisins, Med Hondo, 1971, 35′) + Angela – Retrato de uma Revolucionária (Angela – Portrait of a Revolutionary, Yolande du Luart, 1971, 62′) [disponíveis por 24h]

18h: Abertura: diálogo com o público do Janela, com Kleber Mendonça Filho e Luís Fernando Moura

No ar: Eu Me Lembro

A cineasta Mati Diop

7/3 – Domingo

15h: Aulas do Janela 2: Realizar filmes, cruzar o Atlântico: Kênia Freitas conversa com Mati Diop

16h: Forum 50: Episódios de Luta 2: Monangambeee (Sarah Maldoror, 1968, 16′) + Phela-ndaba (Fim do Diálogo) (Phela-ndaba (End of the Dialogue), Membros do Congresso Panafricanista/Pan Africanist Congress, 1970, 45′) [disponíveis por 24h]

16h: Forum 50: Episódios de Luta 3: Festival Panafricano de Argel

Festival Panafricain d’Alger (William Klein, 1969, 90′) [disponível por 24h]

No ar: Eu Me Lembro

 

8/3 – Segunda

16h: Forum 50: Episódios de Luta 4: Eldridge Cleaver, Pantera Negra (Eldridge Cleaver, Black Phanter, William Klein, 1969, 70′) [disponível por 24h]

18h: Eu Me Lembro: Encontro com Realizadoras e Realizadores: Anna Muylaert, Bruno Ribeiro, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata, Kaique Brito, Lia Letícia, Nele Wohlatz e Sergio Silva. Mediação: Luís Fernando Moura e Kleber Mendonça Filho

20h: Aulas do Janela 3: Novos arquivos, ou como não fazer uma página de memes: Luís Fernando Moura conversa com @saquinhodelixo

No ar: Eu Me Lembro

 

9/3 – Terça

16h: Forum 50: Episódios de Luta 5: O Assassinato de Fred Hampton (The Murder of Fred Hampton, Howard Alk, 1971, 88′) [disponível por 24h]

16h: Arquivos Brasileiros: SRTV 307 – Cinemateca: Almoço na Cinédia – Nosso Cinema 80 anos (Martha Alencar e José Carlos Asbeg (supervisão), 1978, 11’) + Pérola Negra (Reinaldo Cozer, 1979, 11’) + Viagem ao Brasil (Voyage au Brésil, Vital Ramos de Castro, 1927, 30’) [disponível por 24h]

18h: Aulas do Janela 4: Lutas negras 50 anos depois, ou desbravando episódios de cinema e rebelião: Luís Fernando Moura conversa com Jacqueline Nsiah e Janaína Oliveira

No ar: Eu Me Lembro

 

10/3 – Quarta

16h: REPRISE: Arquivos Brasileiros [disponível por 24h]

16h: REPRISE: Forum 50: Episódios de Luta [todas as sessões disponíveis por 24h]

18h: Aulas do Janela 5: Preservar e restaurar filmes em tempos de desmonte e reconfiguração: Débora Butruce conversa com Tiago Baptista

20h: Aulas do Janela 6: Modelo vídeo: o atelier remoto do Risco!: Kleber Mendonça Filho conversa com Bruna Rafaella Ferrer, Leonardo Lacca e Vi Brasil

No ar: Eu Me Lembro

*Em data a ser anunciada:

Projeção: Coquevídeo: Respire

 

——————————————————————–

PROGRAMAÇÃO DETALHADA

SEÇÕES E SINOPSES

Aulas do Janela

Esta série de encontros reúne pontos de vista sobre o cinema e a cultura, a criação e a crítica neste estranho ano de 2021. As Aulas do Janela miram diferentes trajetórias – de uma artista, de um coletivo, de uma filmografia, de instituições – para propor que se note o presente como laboratório de lembrança coletiva, de percepção do tempo e de seus atores, de busca de uma medida comum para o lugar aonde vamos juntos. Das coleções de imagens aos inventários de memórias, cabe muito do que temos a aprender: o que construímos entre nós, o que há a reconquistar, o que apesar de tudo estamos inventando.

Aulas do Janela 1:

Cultura e história, de dentro da cena

Maeve Jinkings conversa com Fernanda Montenegro

Um encontro entre duas artistas, atrizes, em torno do livro de memórias de Fernanda Montenegro, a autobiografia “Prólogo, Ato, Epílogo”. Como num sarau comentado ao vivo, Maeve Jinkings sublinha uma série de passagens do texto, que a autora relembra, desdobra e retoma numa troca de ideias. Uma conversa sobre cena, arte e cultura brasileiras, vistas de perto de passagens incontornáveis à história que partilhamos.

Aulas do Janela 2:

Realizar filmes, cruzar o Atlântico

Kênia Freitas conversa com Mati Diop

Mati Diop, que ganhou atenção especial de crítica e público de cinema ao ter Atlantique (2019), seu primeiro longa como diretora, exibido e premiado com o Grand Prix no Festival de Cannes, divide seu ponto de vista como cineasta e artista. A crítica de cinema Kênia Freitas conduz a conversa, que versa sobre o desdobramento do curta Atlantiques, realizado dez anos antes (2009), em longa-metragem, destacando questões migratórias que marcam e baseiam narrativas de Diop, suas influências musicais e literárias e sua trajetória. Haverá tradução em português.

Aulas do Janela 3:

Novos arquivos, ou como não fazer uma página de memes

Luís Fernando Moura conversa com @saquinhodelixo

O coletivo Saquinho de Lixo se reúne para discutir criação e veiculação visual em tempos em que se desenvolve a linguagem de vanguarda a que chamamos meme. Seguido por mais de 1 milhão de pessoas no Instagram e prestes a ter um segundo trabalho exposto em museu de arte – na reabertura do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo –, o grupo conta sua história e seus princípios, e divide ideias sobre curadoria, humor, política, dinheiro, invenção. E sobre a polícia das redes e das imagens. A conversa é mediada por Luís Fernando Moura.

Aulas do Janela 4:

Lutas negras 50 anos depois, ou desbravando episódios de cinema e rebelião

Luís Fernando Moura conversa com Jacqueline Nsiah e Janaína Oliveira

Apresentado nesta edição do Janela, o programa especial Forum 50: Episódios de Luta é comentado por Jacqueline Nsiah e Janaína Oliveira, curadoras e historiadoras de cinema, e pesquisadoras de cinemas negros, africanos e afrodiaspóricos. A discussão tanto recupera o impacto e a novidade destes filmes 50 anos atrás, quando realizados em meio à ebulição de movimentos anticoloniais e de estratégias revolucionárias, quanto analisa sua ressonância nas políticas e cinemas vindouros e sua evidente atualidade. A mediação é de Luís Fernando Moura, cocurador da seleção exibida no Janela. O diálogo será conduzido em português.

Aulas do Janela 5:

Preservar e restaurar filmes em tempos de desmonte e reconfiguração

Débora Butruce conversa com Tiago Baptista

Em momento em que devemos voltar os olhos para a sobrevivência e as condições de operação dos principais arquivos audiovisuais do país, enquanto assistimos à Cinemateca Brasileira enfrentar abandono do governo federal e crise sem precedentes, a atual presidenta da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), Débora Butruce, conversa sobre preservação e restauração de filmes com Tiago Baptista, diretor do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, centro de conservação da Cinemateca Portuguesa. Neste diálogo, discutem os principais desafios em torno do crucial trabalho dos arquivos, dentro ou fora do Brasil, sejam os de manutenção, os de reconfiguração diante de novos contextos ou os da parceria entre instituições, comunidade audiovisual e sociedade civil.

Aulas do Janela 6:

Modelo vídeo: o atelier remoto do Risco!

Kleber Mendonça Filho conversa com Bruna Rafaella Ferrer, Leonardo Lacca e Vi Brasil

O coletivo Risco!, formado por artistas de pesquisas diversas, criou um ambiente para experimentar o desenho e a performance com modelo vivo como prática artística contemporânea, sob o princípio de estabelecer uma troca mútua e cotidiana em torno das expressões gráfica e do corpo. Com a pandemia, inventou-se um novo mecanismo de participação remota. E, como num acidente, um outro dispositivo: a multiplicação de ângulos por diferentes geografias, traços e olhares é agora o laboratório também para um cinema de animação. Bruna Rafaella Ferrer e Leonardo Lacca, idealizadores, e Vi Brasil, modelo, conversam com Kleber Mendonça Filho sobre essa experiência, suas descobertas e as aventuras de uma linguagem a outra.

Eu Me Lembro

O Janela propôs que algumas realizadoras e realizadores criassem filmes, como e sobre o que quisessem, para serem exibidos nesta edição. Tocados e mobilizados pela grave crise que acomete a Cinemateca Brasileira, mais simbólico dos nossos arquivos, oferecemos apenas uma ideia, Eu Me Lembro – e em troca recebemos imagens que, tão diversas entre si, surgem como cartas filmadas endereçadas ao presente. O que, em tempos de luto, resguardo e espera, seria filmar lembranças? Algumas e alguns miraram o oceano e a travessia, muitas e muitos voltaram às suas fotos, aos seus TikToks, aos seus filmes e brinquedos. Contam-se histórias de amor, de viagem e de recomeço. A celebração de um set de filmagem. Monumentos (entre eles, nossos parentes e amigas e amigos). Um funcionário da Cinemateca planejando um próximo filme.

Luís Fernando Moura

Um Café com meu Avô, Anna Muylaert

Brasil, 2021, 10′

Divagações sobre a função do cinema e a intoxicação de imagens que vivemos hoje.

Gargaú, Bruno Ribeiro

Brasil, 2021, 20′

Bruno entra em um carro com desconhecidos.

Um Quarto na Cidade, João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata

Portugal, 2021, 5′

Quando fazem calar as vozes, a música vibra na memória.

Eu Me Lembro, Kaique Brito

Brasil, 2021, 3′

Kaique, um jovem de 16 anos, resolve desabafar com alguém no computador sobre sentir falta de algo recorrente da sua infância: o sentimento de admiração e entusiasmo por momentos simples do dia a dia.

Feliz Navegantes, Lia Letícia

Brasil, 2021, 6′

O sumiço de um barco mobiliza uma comunidade, e, entre um set de filmagem, coronéis e tubarões, um pescador realiza uma memorável proeza.

Turista, Nele Wohlatz

Alemanha, 2021, 10′

Mudo os vídeos de um lugar para outro, em busca de sua correlação, como se fossem a filmagem de um filme. Por enquanto, eu sabia disso: filmamos imagens para contar uma história por meio delas. Mas nenhum dos vídeos do meu celular foi feito com essa intenção. O que é que os conecta?

A Terra Segue Azul Quando Saio do Trabalho, Sergio Silva

Brasil, 2021, 16′

O funcionário de um arquivo de filmes e sua personagem imaginam um filme para fazer quando saírem do trabalho.

Forum 50: Episódios de Luta

Cinema de rebeldes

O programa Forum 50: Episódios de Luta destaca filmes que, realizados no intervalo entre 1968 e 1971 e num intercâmbio entre os continentes africano, norte-americano e europeu, dão expressão a projetos antirracistas de futuro, tão solidários quanto combativos, numa indistinção nada infrequente entre cinema e rebelião. Trata-se de um recorte da primeira edição da mostra Forum/Festival de Berlim, que 50 anos atrás estabeleceu uma plataforma internacional para o filme político, na esteira da explosão global de movimentos civis, da contracultura, de exércitos revolucionários e dos cinemas diretos, em curadoria feita em colaboração entre Janela e Forum.

São passagens de cinema que ressurgem como indispensáveis à sua história social e artística e também uma perspectiva perene de ação política por meio de filmes, fruto da cumplicidade entre artistas e militantes, professores e estudantes, governo, partido e frente de batalha, no centro das lutas anticoloniais em África, em direção ao pan-africanismo e ao lado dos Panteras Negras, na polifonia de gritos por libertação. Do retrato à investigação, da celebração à denúncia, da filmagem clandestina à guerrilha, estão aqui documentos vivos e atuais, exibidos em digitalizações e restaurações recentes, preservadas em diferentes arquivos. São, afinal, visões que podem também nos munir, agora e no futuro. Agradecemos aos detentores das cópias e a parceria da Forum/Arsenal – Institut für Film und Videokunst e.V., do Consulado Geral da Alemanha no Recife e do Centro Cultural Brasil Alemanha, bem como o apoio do IndieLisboa.

Luís Fernando Moura

***

Forum 50: Episódios de Luta 1

Meus Vizinhos

Mes Voisins

Med Hondo, 1971, 35 min

Pouco depois de dirigir o longa Ó, Sol, o mauritano Med Hondo entrevista grupo de imigrantes de países africanos vivendo dificuldades em Paris. Do retrato se insinua a diferença, quando chega a hora desses vizinhos, vindos do Mali, da Mauritânia, da Costa do Marfim, identificarem seu algoz: talvez ele seja comum a outros companheiros, na França mesmo, ou além. À medida que a canção-título parecia querer costurar como lamento essa visita do cinema a uma pensão, cedo ou tarde o filme poderá não caber em si, e terminar rasgado por dentro. Esta restauração foi finalizada em 2020, com a participação do diretor de fotografia do curta-metragem, François Cotonné.

Angela – Retrato de uma Revolucionária

Angela – Portrait of a Revolutionary

Yolande du Luart, 1971, 62′

Aluna de Angela Davis na Universidade da Califórnia em Los Angeles, Yolande DuLuart faz retrato obstinado e fascinado da professora de filosofia dentro de sala de aula, em casa e na linha de frente das lutas civis. Presa em 1971 por associação a evento de insurgência contra o racismo policial, no contexto de rebeliões de presos negros e do emblemático caso dos Irmãos Soledad, meses antes Davis chama interlocutores à radicalidade, denuncia o fascismo e difunde o comunismo, conclama a união das minorias. Esta preciosidade a entrevista e a interlocutores, compila cartas de George Jackson e explora o vigor do cinema direto, dedicada a Jonathan Jackson, rebelde morto pela polícia. Charles Burnett (do movimento L.A. Rebelion) é um dos fotógrafos do filme, finalizado na França após chamar atenção do FBI.

***

Forum 50: Episódios de Luta 2

Monangambeee

Sarah Maldoror, 1968, 16′

“Monangambeee”, ou “morte branca”, foi grito de guerra na luta anticolonial angolana. Recriando novela de José Luandino Vieira, O fato completo de Lucas Matesso, Sarah Maldoror narra conto sobre um prisioneiro e sua mulher diante da ignorância dos colonos e da violência da polícia em Luanda, locada na Argélia com atores amadores, militantes pela libertação do então território português. Esta peça monumental, levada como jazz pelo Art Ensemble de Chicago, termina por cruzar a guerrilha fotografada por Augusta Conchiglia e derivar da ficção ao ensaio, com vocação para manifesto. A cópia está em bom estado, mas carrega os danos à faixa de diálogos na fonte preservada.

Phela-ndaba (Fim do Diálogo)

Phela-ndaba (End of the Dialogue)

Membros do Congresso Panafricanista/Members of the Pan Africanist Congress, 1970, 45′

Filmado clandestinamente por exilados sul-africanos e estudantes de cinema radicados em Londres, este ato rebelde expôs mundo afora um retrato guiado do apartheid na África do Sul, impressionando públicos de cinema. Enquanto descreve e destaca o contraste das distintas condições de habitação, de trabalho, de educação, compilando a aparência da segregação racista em espaço público, o filme se desenha como instrumento de guerrilha cujas consequências alcançam as formas de mostrar, de dizer, de montar e de fazer uma ideia audível. Caso de filmagem feita e exibida sob risco, está aqui documentada uma aliança univitelina entre filme e política.

***

Forum 50: Episódios de Luta 3

Festival Panafricano de Argel

Festival Panafricain d’Alger

William Klein, 1969, 90′

Realizador pactuado com movimentos civis franceses, William Klein transforma em cinema o 1º Festival Cultural Panafricano de Argel, a convite do recém-independente governo argelino. Em meio à vibrante celebração entre multidão e artistas de todo lado, como Nina Simone, Archie Shepp e Miriam Makéba, ou de inventário de dança, canto e teatro vindos de regiões diversas do território africano, o diretor faz de filme um correio enérgico, assertivo e franco de princípios para a descolonização irrestrita, em cópia que mantém visto de censura. Neste díptico de longas exibido pelo Janela, Klein está determinado a compreender se a cultura é capaz de libertar, e este aqui é ora documento, ora festa, ora superfície de chamados à luta. Sarah Maldoror é parte da equipe.

***

Forum 50: Episódios de Luta 4

Eldridge Cleaver, Pantera Negra

Eldridge Cleaver, Black Phanter

William Klein, 1969, 70′

Procurado pela polícia dos EUA, Eldridge Cleaver está exilado na Argélia. Este perfil de um fascinante expoente dos Panteras Negras registra percepção eloquente de utopia que passa por ampla abolição geopolítica. Seguindo Cleaver durante o 1º Festival Cultural Panafricano de Argel, Klein capta seus discursos em público, observa traduções e discordâncias, acompanha assembleias entre líderes anticoloniais de África, EUA e Vietnã, unidos para entender como libertar o Terceiro Mundo. “A cultura é uma arma”, diz Cleaver. E o filme aproveita para sumarizar o programa dos Panteras que, nas palavras dele, é não um movimento racial, mas revolucionário, de luta em todos os continentes. A música aqui é de Elaine Brown, cantora e militante.

***

Forum 50: Episódios de Luta 5

O Assassinato de Fred Hampton

The Murder of Fred Hampton

Howard Alk, 1971, 88′

Howard Alk e Mike Gray se unem para filmar um retrato de Fred Hampton, mas no meio das filmagens o retratado é morto e o filme é partido ao meio. Na primeira parte, acompanhamos entre 1968 e 1969 a ascensão de Hampton, carismático líder dos Panteras Negras em Chicago, que discursa para a multidão em fervo. Na segunda, o filme se torna uma minuciosa peça de jornalismo investigativo, com um fim expresso: provar que o militante, morto em seu apartamento junto a companheiro de partido, foi simples e abruptamente executado enquanto dormia. O longa dá continuidade ao projeto anterior dos realizadores em torno dos Panteras, American Revolution 2 (1969).

Arquivos Brasileiros

Entre o tanto e o tão pouco

O Brasil possui dezenas de arquivos audiovisuais, dos mais diferentes tamanhos e perfis, tanto no que diz respeito ao volume de acervo que preservam quanto em relação à infraestrutura. E não poderia ser diferente, somos um país de dimensões continentais e extremamente desigual. Mas as crises, sejam financeiras, administrativas, institucionais ou políticas, essas sim, parecem acometer todos eles com assombrosa periodicidade. Basta lembrarmos que a Cinemateca Brasileira, o maior arquivo audiovisual brasileiro e um dos maiores da América Latina, permanece fechado e sem profissionais especializados há quase um ano.

Ainda assim, o patrimônio audiovisual resiste, e nos convoca a admirar sua potência e diversidade sempre que é dada a oportunidade, lembrando que, apesar do período tenebroso que estamos atravessando, o cinema brasileiro existe e constituiu uma história. Para essa sessão, a convite do Janela, lanço luz sobre uma pequena porção dessa trajetória, através de uma viagem do tempo reversa, apresentando títulos que podemos encontrar nos arquivos, mas que por inúmeros motivos circulam pouco. Essas obras, tão distintas, retratam a riqueza e singularidade do patrimônio audiovisual brasileiro e o belo trabalho feito pelos arquivos e seus técnicos, mesmo diante de tanta adversidade. Curtam a viagem, dias melhores virão.

Débora Butruce, preservadora audiovisual, produtora cultural e curadora independente

 

SRTV 307 – Cinemateca: Almoço na Cinédia – nosso cinema 80 anos

Martha Alencar e José Carlos Asbeg (supervisão), 1978, 11’

Almoço comemorativo dos 80 anos do cinema brasileiro, realizado nos estúdios da Cinédia, no Rio de Janeiro. Personalidades como José Carlos Burle, Antônio Pitanga, Vera Manhães, Lutero Luís, Flávio Migliaccio, Pedro Rovai, Humberto Catalano, Gilda de Abreu, Wilson Porto, Alice Gonzaga, Adalberto Silva, entre outras, contam qual presente gostariam de dar ao cinema nacional. O título faz parte do acervo do Setor de Rádio e Televisão (SRTV) da Embrafilme, composto por reportagens e programas sobre diversos aspectos do cinema brasileiro, realizados entre o final dos anos 1970 e 1980. Desse material raro e em grande parte inédito, trazemos uma edição do programa Cinemateca, que, entre outros temas, aborda a história do cinema brasileiro. A coleção SRTV faz parte do acervo do Centro Técnico Audiovisual (CTAv).

Ficha técnica: O programa Cinemateca era supervisionado e coordenado por Martha Alencar e José Carlos Asbeg, com nomes como Haroldo Marinho Barbosa, Tininho Fonseca e David Neves assinando a direção. Na fotografia, profissionais como Walter Carvalho, Nonato Estrela e José Mariani, com reportagens de Aída Marques, Hilda Machado, Tizuka Yamasaki, Geísa Mello, Chico Drummond e José Carlos Asbeg. No estúdio, apresentando o programa, se revezaram atrizes como Denise Bandeira, Cidinha Milan, Xuxa Lopes, Márcia Rodrigues e Scarlet Moon. Como o material que sobreviveu foi o material bruto dos programas, não é possível precisar quais profissionais participaram de cada produção. O acervo SRTV, cujo detentor é o CTAv, foi digitalizado pela instituição e o material original em 16mm encontra-se preservado.

Pérola negra

Reinaldo Cozer, 1979, 11’

O sensível filme de Cozer se insere na leva de documentários curtos sobre músicos e cantores negros feitos na década de 1970. O título retrata Luiz Melodia em sua intimidade e a convivência com a família e os amigos no morro do Estácio, além de histórias de sua carreira. Realizado de maneira independente, os negativos originais são dados como perdidos, e uma cópia remanescente, em 16mm, encontra-se no CTAv. O arquivo digital disponível que será exibido foi cedido pelo próprio realizador.

Ficha técnica:

Produção: Aleph Filmes

Argumento, roteiro e direção: Reinaldo Cozer

Direção de produção: Otávio de Miranda

Fotografia e câmera: Gilberto Otero

Som: José Carlos

Montagem: Afrânio Vital

Preservação: Centro Técnico Audiovisual (CTAv)

Viagem ao Brasil

Voyage au Brésil

Vital Ramos de Castro, 1927, 30’

O filme foi lançado inicialmente em Paris e pode ser considerado um documentário de “propaganda”, cujo intuito era difundir as riquezas do Brasil no exterior. Ramos era um dos maiores exibidores cinematográficos do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX, e nesse filme conseguiu reunir mais de dez mil metros de registros raros de variadas fontes, mostrando aspectos de diversas regiões e manifestações culturais do país. Os fragmentos sobreviventes, que totalizam cerca de 30 minutos, demonstram a força e a beleza dessas imagens. O arquivo digital foi cedido pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Ficha técnica: Nos fragmentos do filme que sobreviveram não foi possível localizar nenhuma informação sobre a equipe de realização.

Preservação: Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio)

Mais Recentes

Publicidade