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45Mostra ’21 Bob Cuspe Nós Não Gostamos de Gente

Os cartuns hoje são fofos

Por Ivonete Pinto | 26.10.2021 (terça-feira)

Ver um filme como Bob Cuspe – Nós não gostamos de gente na Mostra de São Paulo é uma espécie de folga em meio a tantas propostas densas e por vezes pesadas, entre elas o impressionante  – e punk – indiano Pedregulho. Mesmo que a animação seja cheia de porrada,  personagens escrotos e soturnos, a ideia é rir e relaxar. E ri-se muito neste que é um documentário-ficcional em stop-motion sobre Angeli e sua crise de criação. Aliás, é bom sempre frisar que animação não é gênero, e neste caso o gênero fica mesmo entre o falso documentário, a fantasia e a comédia.

Estreia com a chancela do Festival de Cinema de Animação de Annecy, onde ganhou o Prêmio Contrechamp, Bob Cuspe é o filme de estreia na direção de César Cabral em um longa-metragem. Pode-se ler nos créditos iniciais que o roteiro ganhou um edital em 2012 (sic), portanto, este longa não é muito diferente de outras animações brasileiras que precisam de uma década para se realizar.

O roteiro assinado por Cabral e Leandro Maciel  vai buscar Bob Cuspe nas trevas: um deserto retrô cheio de referências, como a Era uma vez no Oeste (Sérgio Leone, 1969), para que ele tente matar seu criador. O velho punk conta com a ajuda de seus fãs, os irmãos Kovalski e encontra pelo caminho os elton johns e Rebordosa, já assassinada por Angeli, mas ainda vigorosa na mente dos personagens e do público e que já rendeu outro “documentário”, o Dossiê Rê Bordosa (2008). Ela e todas as entradas luminosas de Laerte, como ela mesma, são os pontos altos desta animação. Destaque também para a excelência das dublagens, com Milhem Cortaz encarnando Bob Cuspe, Paulo Miklos os irmãos kovalskis e Grace Gianoukas a Rebordosa.

Não carece do espectador ser um expert da obra de Angeli, basta conhecer um pouco seu universo para entrar no filme. Claro, ajuda muito ter visto Dossiê Rê Bordosa, sobre a morte da personagem conduzida como documentário investigativo. Em Bob Cuspe, temos a dimensão “documental”, com a clássica crise criativa e pessoal de um cartunista que assume o alter ego em Bob Cuspe, o personagem criado na década de 1980 na revista Chiclete com Banana. Talvez um pouco velho para ser tão escroto, já estaria na hora de matar também este personagem, já que Angeli se vangloria da facilidade que tem para assassinar suas criações. Aqui, é ele quem pode morrer com a machadinha de Stanley Kubrick (outra referência fílmica).

Bob Cuspe não é para a geração TikTok. A trilha que conta com Titãs é também um comentário do que pensa Angeli sobre os cartuns de hoje, que são fofos demais como ele diz lá pelas tantas. Mesmo que algumas letras dos Titãs sejam francamente irônicas, como Sonífera Ilha, a crise de  Angeli é também de todos que não se sentem mais à vontade neste mundo. Ser punk ficou anacrônico, ser escroto nem pensar. Tomara que Angeli se reinvente como Laerte e encontre outros personagens para continuar criando e gerando outros filmes inspirados como este.

 

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