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Críticas

Latitude Zero

A coragem de um filme sobre a pior solidão

Por Luiz Joaquim | 23.07.2022 (sábado)

– texto publicado originalmente no Jornal do Commercio (Recife) em 27 de abril de 2001 (sexta-feira)

O diretor paulista Toni Venturi parece berrar, ao exibir seu primeiro longa de ficção: Latitude Zero, que não abre concessões para um cinema que não seja honesto. Entenda ‘honesto’ como sua fidelidade à assumida forma autoral para mostrar a história de Lena (Débora Duboc) e Vilela (Cláudio Jaborandy). Mas o grito de Venturi não é escancarado como o que sua protagonista faz ecoar por boa parte da fita. A voz que o cineasta fala em sua direção soa mais como um sussurro nervoso no ouvido do espectador, sugerindo o drama psicológico que persegue seus dois, é únicos, personagens – encarnados com competência visceral pelo casal de atores.

Quando subiu ao palco do Teatro Guararapes, na segunda noite do V Festival de Cinema do Recife, Venturi agradeceu ao público pela persistência em manter-se heroicamente até às 23h30 para encarar o início da projeção do seu rebento. Ele aproveitou e lembrou sobre o que estava por vir: imagens “a flor da pele”. Algo para se comover. Foi uma boa maneira de alerta sobre o teor pessoal de sua obra.

Afirmar que Latitude Zero é ‘difícil’ é pouco para ilustrar o universo de metáforas intrinsecamente interligadas na equação: tempo x espaço x personagens desenhada na tela. O roteiro foi concebido por Di Moretti a partir da peça (nunca encenada) As Coisas Ruins da Nossa Cabeça, de Fernando Bonassi. O enredo arquiteta o conflitante envolvimento entre a grávida que vive, sozinha, num bar decadente a beira de uma estrada deserta, e a mudança de suas perspectiva de vida (e morte) depois da chegada de um forasteiro fugido da sociedade por ter cometido um assassinato.

Depois de abandonada pelo amante, um coronel da PM, Lena volta-se para a introspecção e resume seus objetivos em manter-se viva – mesmo que miseravelmente – até a chegada do bebê. E o teor ‘solidão’ da personagem é amplificado logo na seqüência inicial do filme, quando ela, com uma barriga (falsa) de oito meses, masturba-se numa ambiente árido e deprimente.

Com a chegada do forasteiro, a instintiva resposta de Lena é repelir o estranho. Mas, amparados pela atmosfera do cenário e crueza de suas personalidades, ambos desembocam no sexo e dali deriva uma nova decepção para a mulher. Esse novo desapontamento da personagem serviu de mote para dar vazão a uma seqüência perturbadora, cujo crédito maior está na corajosa interpretação de Denise.

Estampando uma situação universal e atemporal, Latitude Zero é um filme duro encorpado por um tom intimista que, sem apelar para estéticas pseudo-inovadora, transmite uma boa noção do que seria uma clausura num lugar aberto (se é que isso existisse). Entre os destaques, além de Denise e Cláudio Jaborandy (conhecido pelo público do Festival por sua atuação no ótimo curta Náufrago, de Amílcar Claro), o longa de Venturi se beneficia de uma bela fotografia dramatizada (lembrem da cena do parto) e da trilha sonora estranhamente adequada às circunstâncias.

Apesar de não ser tão arrebatador quanto seu filme anterior (o excelente documentário O Velho: A História de Luís Carlos Prestes), Venturi consegue provocar uma estranheza no público com seu novo trabalho. Latitude Zero é, enfim, um filme para poucos. E isso não é uma crítica, nem tampouco um elogio, é, apenas, uma constatação.

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