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Críticas

Troia

Mitologia por Hollywood

Por Luiz Joaquim | 10.08.2018 (sexta-feira)

-publicado originalmente em 14 de maio de 2004 no jornal Folha de Pernambuco

Não há nada que se possa falar sobre Tróia (Troy, EUA, 2004), que suje sua aparência. Em parte pelos 200 milhões de dólares que o diretor alemão Wolfgang Petersen (de Mar em Fúria) teve disponível para criar imagens digitais a partir do épico A Ilíada, de Homero; e em parte pela estrela que protagoniza a produção. Seu nome é Brad Pitt e o ator dá à aparência de seu personagem, Aquiles, um coquetel de caras, bocas e cabeleira milimetricamente jogadas contra o vento, além de todo o esplendor corpóreo que um inchaço esteroidal pode proporcionar. Se no sentido ‘aparência’ o filme passa pelo crivo do padrão hollywoodiano, no quesito ‘consistência’ (histórica e cinematográfica), a produção é questionável pelo modo com o qual reduz tudo à doses cavalares de testosterona e cenas de amor ocas.

Troia, o filme, traz, por trás de si, um apurado trabalho de computação gráfica que transforma mil figurantes em 50 mil, e proporciona impressionantes falsas tomadas aéreas sobre paisagens que não existem. O mesmo pode se dizer, sem tirar nem por, de filmes como O Senhor dos Anéis ou O Gladiador, mas ambos guardavam em si um equilíbrio dramático substancial que está ausente em Tróia. Caída sua maquiagem digital, o filme revela-se de personalidade fraca. Aqui nenhuma paixão parece desmedida, nenhuma ação soa mitológica, e nenhuma tragédia sugere que vá reverberar pela eternidade, como tanto aspiram os personagens no filme.

A propósito, viver para sempre, através da história, parece (pelas mãos do roteirista David Benioff) ser a única motivação do povo que existiu há 3.000 anos. Esse tipo de preocupação sugerida por Benioff aos seus personagens está mais para os planos de um ator medíocre contemporâneo, que aceita qualquer papel em qualquer filme para merecer a graça do ‘deus’ mídia, que para um herói mitológico temente a Zeus.

O filme de Petersen abre com uma bem encenada luta entre Aquiles e um gigante troiano, mas é apenas uma demonstração introdutória para ilustrar a fama do imbatível Aquiles. O estopim para iniciar a guerra contra Troia, tão desejada pelo rei Agamenon, de Micenas, (Briam Cox), surge quando seu irmão Menelau (Bredan Gleesan) tem sua esposa Helena, a rainha de Esparta (bela modelo alemã Diane Kruger) tomada pelo príncipe troiano, Páris (Orlando Bloom, de Piratas do Caribe).

Mesmo com 50 mil homens a sua disposição, Agamenon faz questão da presença do invencível Aquiles como líder de seu exército para derrubar os muros de Troia e abater seu maior guardião, o príncipe Heitor (Eric Bana, de Hulk), irmão mais velho de Páris. Já Aquiles, mesmo com a indolência aplainada por uma sacerdotisa grega, vê Troia como o ticket para o reconhecimento eterno e assim, ajuda a tornar o sonho de Agamenon numa realidade.

Quando se sabe que as batalhas da Grécia por Troia tomaram na realidade uma década, a comprimida transposição para o cinema nos chega apenas como um pretexto para acompanhar mais um entretenimento comercial, e não como uma leitura cinematográfica preocupada.

Em meio a tantos clichês, Troia, o filme, salva uma cena digna de uma Ilíada. Acontece quando o grande Peter O’Toole (como o rei do império troiano) clama a Aquiles por um ato de clemência. O breve instante guarda mais tensão que todos os 163 minutos do filme. É nessa hora, diante da elegância e eloquência interpretativa do lord O’toole que Aquiles, mesmo com a silhueta do tríceps inchado em destaque, parece pequeno, como um ratinho acuado.  

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