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Festivais

76º Locarno, 2023: Essential Truths of the Lake

Lav Diaz e seu cinema para lá de extendido

Por Ivonete Pinto | 08.08.2023 (terça-feira)

O cinema do filipino Lav Diaz comporta a ideia de um cinema que leva o espectador a uma experiência sensorial com imagens e também que estas imagens ganham significado porque são alargadas no tempo. Em outras palavras, Diaz espicha o tempo de suas cenas (não apenas em relação aos planos-sequência) de uma maneira radical. Exige do espectador uma adesão que nem sempre estamos dispostos.

Essencial truths of the lake (Fil./Fra./Por./Sin./Suí./RU, 2023) tem apenas 215 minutos. As plateias que conhecem seus títulos anteriores podem até considerar que se trata de um curta-metragem, afinal, o que são 3 horas e 35 minutos perto das 11 horas de Evolução de uma família filipina? (2004).

Trata-se de um diretor que faz questão de manter a distância do mercado. O cinema comercial não lhe interessa e a duração é uma forma de afastar o público de seus filmes.

Diaz: Filmes longos para quem os quer longos.

Mas discutir em torno disto é um exercício que não leva a lugar algum, pois do alto de sua autoralidade, Diaz propõe o que quiser. Pode-se dizer que um diretor como ele é apenas arrogante em achar que seu excesso se justifica. Assim como pode-se dizer que a crítica de cinema é igualmente arrogante em achar que ele poderia ser mais sintético.

Afinal, o tempo, se não nos fixarmos em parâmetros comerciais, é subjetivo. Memória, de Apichatpong Weerasethakul, tem 2 horas e 16 minutos e a sensação é (ou pode ser) a de que nenhum segundo está sobrando. Há filmes longos e há filmes longos…Nada, entretanto, que esteja necessariamente ligado ao tema.

VIOLENCIA – Ao considerar-se o tema de Essencial truths… o diretor teve muito o que explorar. O enredo aborda uma série de assassinatos cometidos pela polícia durante o governo do presidente Rodrigo Duterte. Um tenente, 15 anos depois, resolve, por conta própria, investigar os crimes e para isto passa a morar no vilarejo onde tudo aconteceu. Seu comportamento é ambíguo porque ele fez parte daquela polícia. Busca a autopunição em um processo que inclui altas doses de reflexões filosóficas. Enquanto isto, um vulcão entrou em erupção naquela região e o que era desolador, ficou pior.

Quase nem precisa dizer, mas tudo isto é narrado com o uso de fotografia em preto e branco. O fetiche não está só na duração dos filmes…

Guingona como ‘Jack Barquero’ no obrigatório P&B de Diaz

NATUREZA  – O estilo do diretor foi assunto da coletiva em Locarno e ele falou com gosto da incorporação que sempre faz dos elementos que surgem durante a filmagem. Se chove, ele filma a chuva, se tem vulcão, ele filma o impacto do vulcão, a devastação provocada por ele.

E este aspecto é sem dúvida interessante, já que Diaz tenta captar a imagem do tempo no sentido histórico, através dos eventos da natureza. Há uma simbiose destes dois planos. Evidentemente, há outros elementos a explorar em uma análise sobre um filme tão ambicioso, como o simbolismo das fantasias de águia e a presença do sonho.

Não sabemos, durante o filme, o que é sonho é o que é realidade. Diaz defende que como os sonhos podem ir para qualquer lugar, então todas interpretações são possíveis.

Em uma obra experimental por excelência, onde a experimentação com o tempo está na gênese do projeto (mais do que a verdade sugerida no título), o sonho é o que deixa o espectador a vontade para elucubrar o que bem entende.

Os mais afeitos a sua filmografia, e a outros diretores filipinos, como Brillante Mendoza, sabem que a ditadura de Duterte transformou-se num trauma.

Como Diaz filma este trauma é que o diferencia. O personagem do tenente Hermes Papauran (John Lloyd) é o mesmo do seu filme anterior, Quando não há mais ondas (When the waves are gone, 2022), incluindo seus conflitos interiores. No entanto, diretor, entre risos, não admite que seja um prequel, pois prequel tem a ver com série, com indústria, e ele quer distância disto.

Lloyd novamente como o tenente Hermes Papauran

Sua motivação estaria na urgência de continuar denunciando as atrocidades do regime de Duterte, quando milhares de filipinos morreram pela violência da polícia.

Lav Diaz, um tanto paradoxalmente, humaniza o personagem do policial fazendo-o recuperar sua compaixão.

(spoiler!) Ao final, o demorado abraço na mulher que perdeu um filho até redime o diretor pelo sofrimento da longa duração. Este momento, e alguns outros bastante inspirados, explicam a inserção do diretor em tantos festivais importantes. Ainda assim, Goethe insiste em vir à mente com sua máxima sobre a importância da síntese: a arte está em deixar fora.

Lav Diaz e seu cinema para lá de extendido

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