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Festivais

Roterdã, IFFR (2020) – Um animal amarelo

Um Brasil patético, desengonçado, desgraçado, mentiroso e oportunista

Por Marcelo Ikeda | 29.01.2020 (quarta-feira)

ROTERDÃ (HOL.) – Um animal amarelo, de Felipe Bragança, Brasil, 2020, Big Screen Competition – Depois de Não devore meu coração, uma coprodução internacional com participação da Globo Filmes, que estreou numa grande vitrine como Sundance, o novo filme de Felipe Bragança é também um tour de force, entre Brasil, Portugal e Moçambique, uma coprodução internacional Brasil-Portugal entre sua costumeira colaboradora Marina Meliande (também montadora) e o produtor português Luís Urbano. Enquanto o filme anterior reflete sobre a identidade latino-americana entre o Brasil e o Paraguai, entre a colonização branca e a cultura indígena, Um animal amarelo prossegue esse desejo de refletir sobre a identidade brasileira a partir de uma revisitação de sua trajetória histórica, por meio de uma identidade múltipla ou partida entre diferentes países. Dessa vez, o Brasil é esse entremeio – patético, desengonçado, desgraçado, mentiroso e oportunista – entre suas origens europeias portuguesas e a herança da escravidão africana.

No entanto, Bragança revisita essa perspectiva histórica por meio de uma escritura ficcional que incorpora a alegoria, o fantástico e até mesmo o pastiche, escapando totalmente da vocação realista de um cinema político social. Ainda que o realizador queira demarcar sua posição política diante das transformações do Brasil de hoje, em meio à ascensão do totalitarismo, Um animal amarelo apresenta um tom curioso para examinar essa “crise de identidade” que assola não apenas o personagem mas como se um espelho do próprio país – um tom de comédia, como se o filme fosse uma “tragicomédia tropical”.

Em debate após a projeção, Bragança defendeu suas opções de encenação como uma reação aos excessos realistas do cinema social brasileiro contemporâneo, expondo sua pesquisa voltada às heranças do tropicalismo e da antropofagia na sociedade brasileira de hoje. Bragança dedica Um animal amarelo a Joaquim Pedro de Andrade, além de ter anunciado que seu próximo filme será uma refilmagem de Macunaíma – desafio ousado, visto que o filme homônimo de Joaquim Pedro é considerado (quase unanimemente) como o grande momento em que o cinema novo conseguiu essa ponte entre o popular e o intelectual.

Ainda que seja um filme pouco convencional, com várias modulações de tom e um desejo de inquietude formal, (por exemplo, com cenas de nudez frontal mescladas com um tom de fábula infantil e rodado em formato 4:3 [1,37 : 1]), Um animal amarelo é, ao mesmo tempo, uma produção razoavelmente grande para os padrões médios brasileiros, e expressa um certo desejo nítido de não apenas se expressar mas também o de se comunicar, para um público um pouco menos restrito. Encontrar esse equilíbrio, entre a expressão e a comunicação, entre o público brasileiro e o do exterior, entre a fábula alegórica e o realismo político crítico talvez seja o maior desafio do cinema que Bragança vem tentando desenvolver em seus últimos trabalhos.

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