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Críticas

Os Rejeitados

Pai improvável, filho improvável, mãe improvável. Família bacana.

Por Luiz Joaquim | 09.01.2024 (terça-feira)

Há filmes que nos acalentam. Nos aquecem. E eles, sendo contemporâneos, são muito mais raros em tempos de exacerbação das imagens em movimento pululando ao nosso redor 24h x 7 dias. Tempos também de filmes que meticulosamente se apropriam da desgraça humana como muleta para não entediar o seu espectador nos seus primeiro minutos de projeção.

Nesta quinta-feira (11) chega aos cinemas Os rejeitados (The Holdovers, EUA, 2022), no qual o diretor Alexander Payne – com roteiro de David Hemingson – parece ter chegado a um equilíbrio intrigante, no que concerne ao tema ‘filmes que nos acalentam’ e no que diz respeito a própria filmografia de Payne.

Desde a abertura, com uma vinheta vintage dos estúdios da Universal, com a difusão de som mono (não estéreo, não Dolby 7.1) e passando pela trilha sonora de Mark Orton, Os rejeitados surge como uma pérola perdida na programação dos complexos de cinema.

É uma produção tão cuidadosa em sua proposta ética e estética que merecia ser vista não dentro de uma impessoal caixa preta com poltronas, mas sim num palácio cinematográfico, como aquele em que, a certa altura do filme, o protagonista vivido por Paul Giamatti se encontra com o personagem do estreante Dominic Sessa para assistir O pequeno grande homem (1970), de Arthur Penn, em Boston (Massachusetts).

O já cansado termo feel-good movie costuma sintetizar bem a sensação do espectador que sai de uma sessão de filmes como Os rejeitados. O importante aqui, entretanto, é apontar que o novo Payne se molda, sem soar maniqueísta ou piegas, aos princípios de um complexo mundo em 2024, que busca abrir os olhos das pessoas para o respeito mútuo. Na verdade ele o faz é com descontraída elegância.

Para tanto, Payne nos coloca em seu filme nas duas últimas semanas de dezembro de 1970 no fictício e gélido colégio interno de Barton, rígido em sua tradição de fundação, que remete ao século 18, corporificado pelo rabugento e reto professor Paul Hunham (Giamatti, vencedor do Globo de Ouro no último domingo na categoria ator cômico).

É sob a supervisão do implacável professor de História, Hunham, que quatro alunos precisam permanecer, a contragosto, no internato durante as festas de final de ano por circunstâncias familiares de cada um. Um quinto aluno, Angus (o ótimo Sessa), vê seus planos de passar o natal bem longe dos 9 graus negativos de Barton afundarem na neve dali, quando sua mãe lhe avisa por telefone que vai viajar numa lua-de-mel com o novo marido.

Angus (Sessa) e Hulham (Giamatti) sobre o gélido cenário de Barton

No seu primeiro terço de duração, Os rejeitados pode remeter, nas incontornáveis conexões de filmes sobre internato ou formação juvenil, a títulos como O clube dos cinco (1985), Se… (1968) ou mesmo Sociedade dos poetas mortos (1989) – impossível também não relacionar, mas por outra chave, com Ervas secas (2022 leia aqui) que só estreia no Brasil dia 7 de março. Acontece que, se percebe, Payne vai logo criando o seu próprio percurso na compulsória e intrincada relação estabelecida entre Hunham e Angus nas simbólicas duas semanas finais de 1970.

Como se não bastasse, entra na arquitetura humana da trama a personagem Mary (Da’Vine Joy Randolph, premiada como atriz coadjuvante no recente Globo de Ouro). Ela é a chefe da cozinha de Barton e assume solitariamente a tarefa de fazer as refeições do professor e dos cinco internos naquele final de ano.

Mary não é um detalhe no enredo de Os rejeitados. Ela tem corpo e voz determinantes naquele momento para os dois aprendizes da vida – Hunham e Angus – estando ela mesma em estágio de reaprender a viver por conta do luto de seu filho, falecido aos 19 anos como um militar em combate numa guerra.

O caminho para onde Payne deliciosamente nos carrega aqui é para o da empatia. É isso que está por trás na ideia dos “filmes que nos aquecem”. E a fria e imponente Barton, com a sua paisagem infértil de branca neve, só ajuda a reforçar o contraste da crescente amizade paternal que se revela diante dos nossos olhos entre Hunham e Angus.

O que há por baixo da superfície do professor Hunham (Giamatti)?

É como uma ‘verdade de caráter’ que vai se desvelando à medida em que seu calor derrete a camada  de rigidez e frustrações sobre a superficie humana de Hulman, derretendo também a camada de revolta e carência paternal sobre a camada humana de Angus.

Angus (Sessa): valor sob uma concha que precisa ser compreendida para crescer

A propósito de ‘camadas’, Os rejeitados é filme que merece revisão para que possamos descascá-las prazeirosamente. Seja esta revisão logo depois de vermos o filme pela primeira vez. Seja daqui a dez, vinte ou trinta anos.

 

 

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