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Festivais

12º Tiradentes – 2009 (2ª-feira)

Curtas reiventam memória em Tiradentes

Por Luiz Joaquim | 27.01.2009 (terça-feira)

Tiradentes (MG) – Os mineiros talvez nem percebam com tanta clareza o privilégio de ter em casa um evento cinematográfico preciso e instigador como a Mostra de Cinema de Tiradentes, agora em sua 12ª edição. Enquanto a maioria dos festivais de cinema no Brasil organizam (ou desorganizam) a exposição de seus trabalhos selecionados de maneira aparentemente aleatória, focado particularmente na boa qualidade individual dos filmes, a mostra mineira a cada ano procura, e encontra coesão temática e/ou estética na composição de seus programas, o que só fortalece a inevitável reflexão que o filme desejar proporcionar.

Como se não bastasse a boa seleção e formatação, a Mostra traz sempre novidades. Uma delas foi o curta “Confessionário”, do pernambucano Leonardo Sette, exibido na noite de segunda-feira na Cine-Tenda, estrutra montada com bom som e projeção para 700 lugares e um juvenil público atento. Há exatamente um ano, Sette também lançou aqui seu “Ocidente”, cujo registro visual não utilizava nenhum relato verbal para sugerir sensações.

Em “Confessionário”, acontece o oposto. Nele, 90% do que se vê concentrá-se num depoimento – mostrado numa só tomada com cerca de 12 minutos – do missionário católico Silvano Sabatini sobre seu impácto ao chegar na área indígina Raposa Terra do Sol, em Roraima. Estes dados concretos, de endereço e data, nem estão tão claros no filme. Apesar do assunto ser caro a Sette, que trabalho desde 2002 envolvido com o povo indígena na Amazônia, a localização e os personagens envolvidos no acontecimento de “Confessionário” soam menor que o recado humanista e universal em si deixado por Sabatini.

Sua presente perplexidade, ao relembrar a abordagem que sua missão vertical fez ao índios décadas atrás, é mais perturbadora que o fato em si. Como Sette comentou no debate ontem pela manhã, “Confessionário” não parece servir a uma função social mais efetiva, revolucionária. Isso só fica reforçado pela opção do diretor ao final do curta, onde ele se impõe como elemento humano ativo, imprimindo uma nova sensação, essencialmente cinematográfica, explicitando a função da câmera, não aquela em “Ocidente”, mas uma outra função dentro de outras infinitas.

Apesar de na apresentação de seus respectivos filmes os diretores terem levado em conta o aspecto do que é ou não representação do real em seus trabalhos, a linha que amarrava as outras quatro obras – “Dreznica”, de Anna Azevedo, “Dossiê Rê Bordosa”, de César Cabral, “Booker Pittman”, de Rodrigo Grota, e “Tira o Óculos e Recolhe o Homem”, de André Sampáio – que acompanhavam “Confessionário”, era a memória, e como ela transforma o passado.

Grota, no retrato que fez de Booker (jazzista norte-americano falecido em 1969),percorreu um caminho inverso ao seu anterior “Satori Uso”, no qual documentava um personagem ficticio (enganando muita gente). Em “Booker”, Grota dramatiza visualmente num estúdio – com interpretações do ator Edson Montenegro no papel do músico – situando o personagem em diferentes momentos de sua vida, em bonita direção de arte e fotografia.

Em “Tira o Óculos…”, Sampáio também brinca, literalmente, com memória para falar de um fato envolvendo Jards Macalé e Moreira da Silva, quando ambos foram parar na degacia em 1977, durante a ditadura militar. No curta, Macalé vive ele próprio e também o Kid Morangueira dentro de um contexto cinematográfico extremamente divertido que remete desde as chanchadas até aos westerns-spageth italiano.

O “Dreznica” e “Rê Bordosa”, conhecidos dos recifenses pela exibição no Cine-PE, também reiventam a memória, cada um na sua medida. No primeiro, com restos de imagens em Super-8 para sugerir a quase perdida lembrança visual de deficientes visuais , e o segundo criando imagens documentais para explicar a personalidade da mulher-esponja do Angeli.

LONGA-METRAGEM
A última projeção da noite inaugorou a Mostra Aurora, que Tiradentes dedica a realizadores debutando num longa-metragem. O carioca Gustavo Beck inaugurou seu “A Casa de Sandro” por aqui com uma pouco de prejuízo em função do atraso de quase uma hora na sessão. O que de fato tornou-se mesmo um problema em função de seu filme requerer uma imersão total do espectador para poder fruí-lo na intenção do diretor.

A obra consiste em “visitar” a casa e a personalidade de Sandro Donatello, artista plástico carioca. Mais que isso, o filme parece querer dialogar com a própria estrutura processual entre a criação do artista e do diretor. Quase nunca focado em close, e quase sempre aplicando sua câmera como um bisbilheteiro que observa Sandro à distância, sem procurar interferir em seu cotidiano, Gustavo e equipe oferecem essencialmente uma contemplação sobre personagem e seu ambiente – mesmo que Gustavo não goste do termo ‘contemplação’, por em alguns momentos o espectador ser levado a interagir com a imagem (a do sapo na piscina talvez seja a mais forte nesse sentido).

Com seus longuíssimos planos-mortos, “A Casa de Sandro” expulsou 2/3 do público antes de seu final, não dando chance desse público perceber uma função incomum na construção do protagonista. Na verdade, um protagonismos divido em três: Sandro, a casa em si, e a interação de Sandro com a casa. De qualquer forma, o personagem Sandro parece sofrer nessa divisão, uma vez que naturalmente por ser uma figura atraente como indivíduo humano, parece querer mais oxigênio para respirar na construção do filme. Ou talvez sejamos apenas nós, espectadores, querendo a velha e boa expressão verbal, ao invés da observação insistente de uma câmera congelada.

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