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Festivais

34a. Mostra SP (2010) – 29, 30, 31 out

Disputa entre anônimos e famosos

Por Luiz Joaquim | 02.11.2010 (terça-feira)

São Paulo (SP) – É provável que esta 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que encerra quinta-feira, seja bastante lembrada pelos filmes de extensa duração apontados na programação. São títulos importantes, como “Mistérios de Lisboa” (quatro horas e 26 minutos), de Raoul Ruiz, ou ainda a versão do diretor Win Wenders para “Até o Fim do Mundo” (quatro horas e 20 minutos).

Essas e outras opções têm levantado uma questão entre o público na hora de escolher que filme assistir. Afinal, valeria a pena ver a obra-prima de Ruiz e perder, no mesmo horário, dois filmes tão importantes quanto? A resposta é que o público paulistano não se assusta com a extnsa duração destes filmes, deixando-se guiar mais pelo prazer que eles têm a oferecer.

Outro prazer próprio de um evento que reúne 471 filmes é encontrar (quase descobrir) filmes perdidos, sem destaque na grade de programação, e que se revelam potentes peças cinematográficas, seja na forma ou no discurso. Exemplo desse é o documentário britânico “A Fronteira do Sonho” (The Edge of Dreaming), de Amy Hardie.

Viúva e mãe de um filho do primeiro casamento, e de duas filhas do segundo marido, Hardie é uma videomaker de filmes científicos para universidades e para a BBC. No longa-metragem, realizou aqui uma de auto-investigação a partir de dois pesadelos vividos aos 47 anos. No primeiro, um cavalo que criava há 12 anos lhe diz: “Comece a gravar, vou cair para a esquerda”. Assustada, Harvie despertou e ligou a câmera a procura do cavalo. O encontrou morto, caído para a esquerda.

No outro sonho, a cineasta ouvia seu falecido marido dizer: “Escute bem. Você vai falecer aos 48 anos”. Desde então, Hardie passou a investigar todas as possibilidades do significado dos sonhos, como também o que seria a morte em si. Atéia, e sem apelo de crendices, a diretora apoiou-se em investigação ciêntifica para encontrar as respostas mas esbarrou num mistério no meio do seu presumivel último ano de vida: uma solidificação dos pulmãos, cuja causa os médicos não compreendiam.

Angustiante e reflexivo, o filme, em tom de primeira pessoa, só melhora, na medida em que Hardie agrega elementos visuais e musicais hipnóticos para compor seus sonhos e os delírios da doença. Outro boa surpresa, foi belga “Menina Mosca” (Miss Mouche), primeiro longa de Bernard Halut. Aqui, uma garota na puberdade ganha um celular com filmadora e passa a gravar tudo ao seu redor, como uma mosca que está em todos os lugares e a tudo vê. Ela própria é obcecada pelas moscas e são as suas imagens (que compões 80% do longa-metragem) que revelam, após um acidente com a mãe, uma complexa relação de traição entre seus pais, e até criminosa com um amigo da família.

Pouco comentado por aqui também foi “O Senhor do Labirinto”, do carioca Geraldo Motta, que já residiu no Recife. À propósito, Motta reuniu mais uma vez dois atores pernambucanos, Irandhir Santos e Rodrigo Riszla (de “Amigos de Risco” e “O Som ao Redor”) para compor os carcereiros de Arthur Bispo do Rosário (Flávio Bauraqui). O filme inicia em 1938, no internamento de Bispo (1911-1989) no hospital psiquiatrico Colônia Juliano Moreira (RJ) e segue até sua morte . A intenção primeira é mostrar que o sergipano Bispo era muito mais um artista – com suas composições de estéticas vanguardistas feitas com sobras do hospício (comparado a Duchamp) – que um louco – quando anunciava que era o escolhido de Deus.

Envolvente, “O Senhor do Labirinto” funciona muito em função da escolha dos assombrosos atores, que ainda inclui Maria Flor, mas distrai negativamente na maquiagem que os envelhece por 50 anos. É o caso de perguntar se a participação de um ator mais velho, para a fase idosa de Bispo e Wanderley (Irandhir), não seria menos distrativo.

Medalhões
Boa parte da público da Mostra prefere investir nos medalhões, ou seja, filmes premiados ou de diretores e atores famosos, para garantir satisfação no ingresso de R$ 18 (fim de semana) e R$ 14. E isso não falta por aqui. A começar pelo aplaudido Manoel de Oliveira, “O Estranho Caso de Angélica”, que abriu o evento, com a delicadeza do olhar desse diretor de 101 anos nos mostrando o quão valiosa é a manutenção de uma imagem.

Guiado pela história do fotógrafo (Ricardo Trêpa) que vai registrar a imagem da falecida linda Angélica (Pilar López de Ayala) que, ao ser clicada, sorri apenas para ele, o filme soa como uma reflexão de Oliveira sobre a própria perenidade da existência, seja ela em todos os aspectos, como também são as profissões que estão se extinguindo, outro interesse do fotógrafo.

Aplaudido também tem sido o já premiado “Elvis & Madona”, de Marcelo Laffitte, com o ótimo Igor Cotrim como o travesti cabeleleiro Madona, e Simone Spoladore como a fotógrafa e entregadora de pizza lésbica Elvis. Construindo a descrição da paixão desse casal improvável, Laffitte é feliz por não se eximir de nos colocar no universo muito particular social e cultural deles (em particular o de Madona), ou seja, com muito humor, e sem resquício de preconceito. Ou seja, ao final, o que temos um divertido e inusitado filme de amor, mas sem desconsiderar o drama humano de cada um desses indivíduos.

Numa outra proposta, o russo “Minha Felicidade” (My Joy), primeiro longa do russo Sergei Loznitza. Conta, em impecavel e bem filmado planos, a trajetória de um solitários caminhoneiro que encontra policiais corruptos, velhos, prostitutas e ladrões com históricos de violência assustadores. Numa dramaticidade tensa, os personagens e situações de Loznitza lembram os de Dostoievski, que entram incomodamente na vida dos outros, sem nunca terem sido convidados.

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