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Festivais

39º Gramado (2011) – noite 6

A transexualidade sob duas óticas

Por Luiz Joaquim | 11.08.2011 (quinta-feira)

GRAMADO (RS) – A curadoria deste 39º Festival de Cinema de Gramado foi realmente feliz em programar o documentário uruguaio, “El Casamiento”, de Aldo Garay, na mesma noite (de quarta-feira) com o novo doc. do casal Kiko Goifman e Cláudia Priscilla, “Olhe pra Mim de Novo”. Pela precisão nas imagens e delicadeza na abordagem do longa-metragem estrangeiro, o doc paulista saiu perdendo nessa analogia imediata (e não apenas por isso) pela qual o público do Palácio dos Festivais foi submetido.

Ambos têm como protagonistas personagens transexuais, e trazem – apenas aparentemente, vale ressaltar – interesses próximos: derrubar preconceitos contra estas pessoas. Mas é a abordagem optada que determina o grau de competência no resultado alcançado. E o casal de diretores brasileiros saiu perdendo bastante aqui.

Em “El Casamiento”, Garay resgatou um projeto seu de 1995, e acompanhou o cotidiano da transexual Júlia (65) e do opérário aposentado Ignácio (75), sem esquecer seu cachorro Charlie. O casal se conheceu há 20 anos, e nunca mais se separou. A razão do filme existir está exatamente na decisão deles em finalmente efetivar a cerimônia de casamento.

Já Kiko e Cláudia seguem Sillvyo Luccio (escreve assim mesmo) pelo interior do Nordeste brasileiro a partir do Ceará. Sillvyo é um transexual masculino – uma mulher, do ponto de vista genético, que se identifica com o gênero masculino e usa uma prótese peniana.

Quando, no palco, apresentou seu filme, Kiko mencionou a importância do amor entre as pessoas mas, ironicamente, foi “El Casamiento” que melhor traduziu essa ideía com sua câmera que se porta como um olho invisível a observar o cotidiano de Júlia e Ignácio. É claro que a câmera de Garay apresenta sua intenção nos poucos momentos em que “entrevista” os personagens, ou quando mostra seus planos e contraplanos, revelando sua não naturalidade em função de um registro estritamente documental (se é que isso existe).

Entretanto, é na sabedoria de mostrar os silêncios e as desimportâncias no cotidiano do casal que “El Casamiento” mostra-se grande e realmente desinteressado na questão ‘gênero sexual’. Seu interesse é no final das contas, no afeto humano. Sobressalta-se, e muito alto, pela desconcertante demonstração de carinho de Ignácio com sua “gringa” Júlia. “Casar com ela vai ser como nascer de novo”, pronuncia o velho, emprestando um peso de toda uma vida em suas palavras e olhar para o infinito.

Já Sillvyo não esconde o orgulho de vitorioso pela sua emancipação sexual. Nenhum problema em ter orgulho das próprias vitórias mas, aqui, a insistência na reafirmação da legitimidade chama, paradoxalmente, mais atenção para a negação. Há um desejo militante em Sillvyo (ou apenas no seu retrato moldado por Kiko e Cláudia) que contamina, ou talvez apenas camufle, o que realmente exista de doce e sensível no protagonista.

Por mais bem articulado que Syllvio seja, ele parece servir, no filme, mais em prol de uma causa que em função de si mesmo. Estratégias de narrativas e de dinâmicas na obra também não ajudam. Aparece mais gravemente quando a direção segue Sillvyo caminhando pelas ruas de Caruaru, Campina Grande e outras cidades e o põe a interagir com a população local.

Há uma incômoda construção de tensão aqui, pelo motivo errado, pois não se sabe se a intenção é revelar o preconceito do povo ou a valentia de Sillvyo em encará-los. De qualquer forma, as duas intenções parecem mais nocivas que benéficas. Talvez uma caminhada de Syllvio pelas ruas de São Paulo, ou outra metrópole, fosse mais interessante.

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