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Críticas

A Pele que Habito

Um frankenstein de pele macia

Por Luiz Joaquim | 04.11.2011 (sexta-feira)

A estrela Antonio Banderas tinha 30 anos quando esteve sob a direção de Pedro Almodóvar pela última vez (“Ata-me”, 1990). Volta agora em “A Pele que Habito” ( La Piel que Habito, 2011) após ter construído em duas décadas uma carreira internacional. E vendo o novo trabalho do diretor espanhol, nem parece que Banderas esteve tanto tempo fora de seu habitat natural.

A isto creditamos, claro, o talento do ator mas, numa primeira instância, a mão firme de Almodóvar. Já, há alguns anos, ficou mais que estabelecido o reconhecimento de um autor por trás destes que são os melodramas mais bem elaborados do cinema contemporâneo.

E, além do requinte em comunhão com o cinema para a elaboração de suas histórias, Almodóvar não abre mão de elementos que formam a própria constituição destas histórias. São elementos (figurino, cenário, cores, o sexo, a música e outros) que saltam alto, acima da trama e dos atores, funcionando como uma caneta atômica demarcando as sensações dos personagens e de nos, no lado de cá da tela.

Um exemplo disto em “Pele que Habito” está na transa alucinada e violenta entre o personagem Zeca (Roberto Álamo) – numa bizarra fantasia de tigre – com Vera (Elena Anaya, de “Fale com Ela” e “Lucía e O Sexo”). É mais uma situação intrigante e despudorada criada pelo diretor que gera um misto de curiosidade e incômodo, ou seja, combinação bem vinda numa sala de cinema.

Na primeira parte do filme, Almodóvar nos coloca diante de Vera, personagem intrigante por ser uma prisioneira de luxo do cirurgião plástico Robert (Banderas). Ele é um especialista em transplante de rosto e pesquisador da criação de pele artificial.

Com uma relação indefinida entre os dois, vamos sabendo aos poucos dos dramas no passado de Robert, com sua falecida esposa e filha (Blanca Suárez), para contextualizamos o presente. No início, Almodóvar cria falsas dicas ao espectador para justificar a prisão de Vera. Mas o diferencial na trama do diretor (adaptada do livro de Thierry Jonquet) está no fato de que a falsa dica não é apenas para nos confundir. Ela tem sim um sentido orgânico com o todo da história. Está, talvez aí, o grande valor de Almodóvar. A competência em gerenciar, em dosagens precisas, o compartilhamento de uma história mirabolante.

Ajunta-se a isto o gosto pela arte (em toda sua expressão, música, plásticas, dança, etc) e como o diretor a agrega ao enredo. Na nova produção, a segunda pele que Vera usa está além da função de protegê-la. Desenhadas por Jean Paul Gaultier (parceiro antigo de Almodóvar), elas agregam função erótica e estilística.

Vera, em sua solidão, também se interessa pelas obras do artista plástico franco-americano Louise Bourgeois, que explora as formas do corpo humano em melancólicos bonecos costurados. Nessa brincadeira, é como se o criador Almodóvar revelasse sua inspiração à sua criatura Vera, e também a nós, sortudos, sentados na poltrona do cinema.

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