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Everaldo, o candidato

Artista plástico anarquista lança o candidato a vereador imaginário.

Por Luiz Joaquim | 08.04.2017 (sábado)

  • Publicado no Caderno C, do Jornal do Commercio (Recife), edição 1o de outubro de 2000.

LUIZ JOAQUIM

Um candidato diferente está pleiteando o cargo de vereador nessa eleição. Ele não tem proposta política, não oferece nada e nem pede voto. Não tem passado ou futuro. Não é filiado a partido algum e nem aparece em aparece na propaganda eleitoral da tevê. Seu nome é Everaldo e seu número é 38.120. Na realidade, Everaldo nem existe. Ele é apenas a criação do artista plástico Augusto Japiá que, com seu candidato imaginário, vem tirando a paz dos candidatos reais, habituados a sujar qualquer superfície limpa da cidade com cartazes eleitoreiros.

Quem passa diariamente pela Praça 13 de Maio, circula pela Rua das Creoulas ou observa os tapumes fincados na ponte Duarte Coelho certamente já viu a imagem de Everaldo colada sobre a foto de candidatos a uma vaga na Câmara Municipal. O cartaz, um papel branco de 50 x 47 centímetros estampa um desenho do perfil do candidato imaginário. Os traços simples, mas fortes e marcantes, foram criados por Japiá no Paintbrush. Ele usou o programa básico de computador, hoje manuseado até por uma criança, e confeccionou a figura com inspiração em um elemento de arte popular tradicional: o cordel.

Depois de definir o rosto de seu vereador, Japiá colocou os dados em um disquete, levou a um gráfica para reproduzir seu trabalho ampliado e depois criou uma tela em seu ateliê, onde imprimiu centenas de cartazes. Os locais definidos para `lançar` e expor Everaldo são estratégicos e foram escolhidos a dedo.

“Todos os dias passam ali milhares de pessoas. Gente influente e gente comum”. O artista explica que o alvo primordial de seu vereador de papel é o povo. “Quero aguçar a sensibilidade do cidadão comum para a arte. Tirar as obras das galerias e colocar na rua, onde estão as pessoas. É lá que povo consome o cordel. É Lá que deve assimilar o Everaldo”.

Augusto Japiá faz questão de deixar claro que não está querendo negar os espaços tradicionais, mas apenas utilizar um novo ambiente para expressar arte. À propósito, ele lembra que Everaldo só tem sentido porque existe uma sujera visual e auditiva promovida pelos candidatos em época de eleição. “A composição plástica de meu trabalho só funciona corretamente quando interage com outros cartazes de propaganda política dos quais todos são descartáveis. Numa galeria, ele perderia sua forca de expressão”, ressalta.

NASCIMENTO – A concepção de Everaldo (o nome é um trocadilho a partir de letras que formam a palavra “vereador”) é filha direta de um projeto que Japiá iniciou ano passado, e resultou numa menção honrosa no Prêmio Pernambuco de Artes Plásticas Novos Talentos 1999. Na época, em novembro último, o artista transpôs da rua para o Museu de Arte Contemporânea de Olinda a Barbie. Um painel gigantesco de 1,98 x 2,90, em papel industrial, exibindo uma boneca com a mesma estética de Everaldo. “Destitui os detalhes de um corpo humano para criar uma boneca crua, com referencias em brinquedos regionais como o `Mané gostoso`. Queria questionar o abuso dos brinquedos industrializados”.

O artista chama de arte pública sua proposta em levar às ruas temas como a tristeza , a angústia e as falsas alegrias da sociedade contemporânea. Dentro dessa proposição, Japiá “decorou” alguns muros do Recife.

Entre os antigos cartazes, um mostrava vários rostos com linhas primitivas, com um carimbo bem no centro estampando a frase: “Não há vagas”. Um outro , colado no mudo do cinema Ritz, apresentava um boneco de braços cruzados sobre a palavra “Omisso”. “Enquanto no primeiro eu expunha uma preocupação com os limites do homem nos espaços urbanos, no segundo eu exaltava que, diante de uma insatisfação, a omissão também é uma opção legítima”, defende Japiá.

Quanto a sobrevida de Everaldo após a o período de eleição para vereador, seu criado avisa: “podem esperar. Ele vem com mais força na disputa pelo governo do Estado”.

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