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Festivais

51. Brasília (2018) – noite 2

Sororidade e a força feminina contra a opressão política e a opressão social

Por Luiz Joaquim | 16.09.2018 (domingo)

BRASÍLIA (DF) – Como que pré-anunciando o que está por vir nesta 51a edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, sua noite inaugural da mostra competitiva – (ontem, 15) -, teve o seu primeiro longa-metragem ovacionado ainda na apresentação, enquanto sua diretora, Susanne Lira, chamava a equipe para o palco do Cine Brasília.

Além da equipe, na verdade, Lira chamou também ao palco diversas depoentes que estrelam seu documentário Torre das donzelas. Foram estas senhoras, e suas histórias de vida, que estimularam a plateia aplaudir fortemente, por cerca de três minutos.

Essas histórias dão conta do período que ficaram presas, sob tortura, no início dos anos 1970 no presídio Tiradentes, em São Paulo, também conhecido como “Torre das Donzelas” por seu conjunto de celas femininas. Entre as cerca de 30 depoentes do filmes está a ex-presidente Dilma Rousself (ausente no festival).

Para o filme existir, a diretora Susanne, junto a diretora de arte Glauce Queiroz, criaram um dispositivo construído num estúdio em São Paulo, que ficou montado por dez dias, com aquilo que seria a recriação das instalações internas na Torre das Donzelas para, uma vez lá durante as gravações, as depoentes resgatarem memórias que estavam soterradas em si mesmas por 45 anos.

E dá certo. Nesta “cenografia da memória”, como foi chamada em coletiva de imprensa hoje (16) pela manhã, todas as mulheres envolvem-se, umas de maneira mais imediata do que outras, mas todas colocando lembranças muito duras pra fora pela primeira vez.

O principal legado de Torre das donzelas, entretanto, parece ser a ideia de fé na liberdade (e de lutar por ela), além da sororidade como sentimento e ação mantenedora daquelas mulheres tão jovens – com cerca de 18, 20 anos de idade à época da prisão política – sobrevivendo e insistindo em manter-se com dignidade, algumas por até quatro anos da reclusão, quando experimentaram uma variedade de humilhações e violência difíceis de enumerar aqui.

Com uma estrutura bem calibrada de montagem (por Célia Freitas e Paulo Mainhard), Torre das donzelas desenha ao longo de sua extensão, pela fala das ‘donzelas’, desde o processo de captura, ou sequestro, das moças pela polícia; passando pela tortura e ida ao presídio, até a, digamos, a acomodação das moças naquele ambiente e posterior saída da “Torre”.

Cena de “Torre das Donzelas”

Mas, em seus 97 minutos, há altos e baixos nessa condução, talvez por uma eventual fadiga na insistência pelo artifício da cenografia (que remete a Dogville, de Lars Von Trier). Torre das donzelas, entretanto, não chega a afundar, muito em função da energia das depoentes na frente das câmeras, emanando, mais uma vez, dignidade e altivez ao pôr pra fora suas lutas, inclusive com humor, o que ajuda a distensionar o filme.

LOS SILENCIOS – O segundo longa competitivo da noite, Los silencios, de Beatriz Seigner (de Bollywood dream: o sonho bollywoodiano, 2009) mostrou-se forte em dois aspectos: ser uma produção de fôlego – co-realizada entre Seigner e Leonardo Mecchi na tríplice fronteira entre o Brasil, Colômbia e o Perú -, e também pela capacidade de levantar num mesmo filme tantos aspectos sociais e políticos que são caros para os latino-americanos. Há, ainda, espaço para uma presença (definidora) de questões espirituais pelas quais passam seus protagonistas, a mãe Núdia (a ótima Marleyda Soto) e seu pequeno filho Fábio (Adolfo Sanvinvino, uma graça).

Não à toa, a primeira referência fílmica que vem à cabeça durante sessão de Los silencios é o cinema de Apichatpong Weerasethakul – citada, inclusive, em entrevista coletiva hoje pela manhã.

Rico no desenvolvimento das inserções de informação para construir e apresentar o contexto daquela família, o filme de Seigner consegue também emprestar empatia e consistência ao ambiente em que elas estão inseridas. No caso a Ilha da Fantasia, um lugar real na tríplice fronteira interligada ao continente apenas por transporte fluvial precário.

Adolfo Sanvinvino em cena de “Los Silencios”

Talvez uma boa analogia entre aquele ambiente geográfico, com a realidade de sua comunidade vivendo em casas suspensas por conta das constantes inundações do rio, possa ser feita com a própria relação daquela sociedade mantida com os três países vizinhos. Os habitantes da Ilha da Fantasia possuem regras e organização social próprias e estabeleceram-se ali como se flutuassem acima dos problemas políticos do continente.

Ainda durante a entrevista, foi sugerido que Los silêncios fosse lançado comercialmente nos cinemas, pela Vitrine Filmes, junto ao curta que o acompanhou na sessão de ontem aqui em Brasília. O curta chama-se Kairo, é de Fábio Rodrigo, e acompanha uma manhã na vida do pequeno menino que dá título ao filme, e cuja vida mudará completamente naquela mesma manhã.

*Viagem a convite do festival.

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