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Críticas

As Chaves da Casa

A opção pelo afeto

Por Luiz Joaquim | 19.09.2018 (quarta-feira)

– publicado originalmente em 03 de Abril de 2006 no jornal Folha de Pernambuco

Ao começar este filme o espectador precisa estar preparado para receber o impacto de algo devastador. E se esse espectador carrega consigo o amor e a dor da paternidade, então As chaves da casa (La Chiavi di Casa, Itália, 2004), filme do diretor Gianni Amelio, deverá deixar marcas.

É devastador pois trabalha com precisão cirúrgica sobre o progressivo desabrochar do afeto, seguido pelo amor, de um pai que renegou o filho ao nascer em função deste possuir uma limitação física e psíquica. 15 anos depois, o personagem Gianni (Kim Rossi Stuart) se vê na condição de levar o filho Paolo (Andrea Rossi) da Itália para a Alemanha em função de um tratamento.

Nesse trajeto, e durante a estada de poucos dias em Berlin, Gianni e Paolo se conhecem. Ou, vale dizer ainda, que Gianni também se reconhece através de Paolo. O adolescente tem a idade mental de um garoto de cinco anos, possui inabilidade para se locomover e é dotado de uma inocência perturbadora e, como sempre, reveladora.

A opção de Amelio em trabalhar com o não-ator Rossi, garoto com os problemas reais que se vêem no filme, empresta uma força brutal ao que se enxerga na tela. Ao contrário do que se possa pensar, essa não é uma maneira fácil para se conseguir comoção. Poderia ser fácil sim para extrair uma piedade chorosa do público que vai ao cinema para sentir pena de um aleijado. Mas Amélio, ao contrário, da dignidade ao menino Paolo que, no processo, é quem ensina seu valor ao pai, e o valor que o próprio pai nem mais lembrava existir sobre si próprio.

Mais que um ‘valor’, Paolo dá a redenção ao seu pai pela alegria que carrega com sua pureza e pela fragilidade que sua vida representa.

Inspirado no livro Nascidos duas vezes (Cia. das Letras), de Giuseppe Pontiggia, o filme é isento de qualquer fiapo de sentimentalismo (coisa que talvez esse texto não esteja conseguindo); e coloca em xeque a condição do personagem de Rossi Stuart. Com Paolo num país estranho, e desconhecendo o idioma local, o próprio Gianni é um inábil.

Diante de um problema que não pode solucionar sozinho – muito bem arquitetado no roteiro de Amélio e Sandro Petraglia – Gianni torna-se também um aleijão. Nesse momento, ele só conta com a ajuda de Nicole (Charlotte Rampling), uma francesa que vai ao mesmo hospital de Paolo a cada seis meses com a filha Nadine (Alla Faerovich), com problemas mais delicados que os do garoto italiano.

Depois de duas décadas vivendo em função de filha, Nicole é a voz da sensatez no ouvido de Gianni. É ela quem diz que, paradoxalmente, os problemas de Paolo “irão protegê-lo contra os outros”. E que o trabalho “sujo” de cuidar dos filhos como o dele fica, normalmente, com as mães, pois os pais destas crianças são “homens que sentem vergonha”. É forte.

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