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Críticas

Fantasia 2000

Um fruto do aprendiz de feiticeiro de Walt Disney

Por Luiz Joaquim | 03.10.2018 (quarta-feira)

– publicado originalmente no Jornal do Commercio em 16 de Junho de 2000.

É fácil lembrar dos tempos de criança quando a intervenção de uma imagem, música ou outro ícone qualquer que marcou aquela época reaparece na vida de alguém. Raro é quando algo inédito transporta um adulto para a fase mais pura (a única?) pela qual já passou. Fantasia 2000 (EUA, 1999) realiza essa façanha e ainda funciona como uma excelente experiência introdutória para a criançada de hoje que, em boa parte, desconhece a possibilidade de extrair prazer ao ouvir Stravinsk, Tchaikovisky ou Bethoven, por exemplo.

Fantasia 2000 deixaria Walt Disney orgulhoso, se vivo fosse, quando descobrisse que seu sonho tornou-se real pelas mãos do sobrinho Roy. O pai do Mickey anunciou que seu desejo era fazer de Fantasia (o realizado em 1940, com o clássico O Aprendiz de Feiticeiro) o primeiro de um série, que seria renovável anualmente. O projeto foi engavetado mas agora retorna reapresentando O Aprendiz… remasterizado, e estreando sete novo desenhos com o mesmo princípio de perfeita orquestração entre música e imagem.

A primeira seqüência é injusta com o que está por aparecer na continuidade do filme. Apesar de apresentar triângulos coloridos voadores (como borboletas de origami,) ao ritmo da imponente 5º Sinfonia de Bethoven, o quadro soa muito abstrato podendo dispersar, ou não atrair, a atenção dos mais jovens. Mas Fantasia 2000 magnetiza logo no segundo bloco. Sob o som de Pinheiros de Roma, de Ottorino Respighi, uma família de baleias ultrapassa os limites do mar e começa a voar por um céu estrelado com um azul difícil de descrever.

As dificuldades que o filhote encontra em acompanhar os pais é o primeiro elemento que conquista o olho e o coração de quem está na sala. Quem pensava que Woody Allen havia sedimentado – na abertura de Manhattan – a tradução em imagem para Rapshody in Blue, de Gershwin, precisa conferir a graça e leveza da terceira seqüência. Alternando a história de três personagens metropolitanos (um operário, um desempregado, e uma menina hiper-atarefada), Fantasia 2000 vai sincronizando o sonho de cada um deles aos acordes do compositor norte-americano. O traço caricaturada das figuras e a ótica azulado pela qual a cidade é mostrada, aumentam o clima lírico do som que sai dos alto-falantes na sala de projeção.

Já Piano para Concerto Nº 2, de Dmitri Shostakovich, serve de trilha para a descoberta da paixão de um soldadinho de chumbo da perna quebrada por uma bailarina de brinquedo. O enredo envolvendo bonecos animados pode remeter a Toy Story e alguém pode argumentar que a animação desse bloco, em Fantasia 2000, deixa a desejar para os arrojados movimentos criados para Woody e Buzz Lightyear. Para contra-argumentar é suficiente afirmar que o ambiente criado aqui para o soldadinho de chumbo está muito mais próximo do encantamento que envolvia as primeiras obras de Disney para o cinema.

Carnaval dos Animais, de Saint-Saens, é o mais curto quadro (mostra flamingos brincando com um ió-ió); e o de melhor sincronia entre movimento e música. Donald também aparece em Pompa e Circunstância, de Edward Elgar. O Pato vira o braço direito de Noé para reunir os animais na arca contra o dilúvio. É graças a pantomima de Donald, ao conteúdo religioso imbutido e a condução linear da história que esse segmento torna-se o de leitura mais acessível para a meninada.

Fantasia 2000 fecha com chave de ouro ao som da suite Pássaro de Fogo, de Stravinsky. Numa mistura de desenho tradicional e computação gráfica, o público é brindado por um poesia ilustrado sobre a vida, morte e renascimento. Por uma profusão de cenas arrebatadoras, vemos um vulcão jorrando lavas e destruindo uma floresta. A vida renasce quando uma espécie de discípulo da natureza chora pelo que perdeu. A seqüência é tão harmoniosa com a peça do Stravinsky que, a certa altura, o espectador desavisado pode pensar que o compositor criou as alternâncias entre grandiosidade e singeleza de sua música especificamente para o desenho.

Durou quase uma década o trabalho de Roy Disney para deixar Fantasia 2000 pronto. O esforço resultou num eficaz atalho que apresenta outra cultura musical às crianças de todas as idades e faz o adulto querer ter menos de dez anos para chorar impunemente na sala do cinema.

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