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Críticas

Mais que Especiais

Triste e alegre labuto daqueles que lutam pela vida dos desvalidos.

Por Luiz Joaquim | 24.02.2021 (quarta-feira)

Há dez anos, a dupla Olivier Nakache e Éric Toledano conquistaram o mundo com o seu Intocáveis, com direito a megaexposição no Globo de Ouro e revelando o talento de Omar Sy como o cuidador do tetraplégico personagem de François Cluzet. Amanhã (25), chega aos cinemas Mais que especiais (Hor Normes, Fra., 2019), novo trabalho dos cineastas que voltam ao delicado tema da vida de pessoas especiais – desta vez, jovens autistas – numa sociedade despreparada para lidar com elas.

Nakache e Toledano

Assim como em Intocáveis, o tom aqui não é o da depressão, mas o da esperança, e com o humor sendo um condimento importante na receita. Por esse humor, Nakache e Toledano reforçam que a qualidade dessa dupla de realizadores, assinando também o roteiro, não é dourar a pílula fazendo da vida de seus protagonistas algo divertido. Pelo contrário, a aspereza está impressa na tela, e estão também dosadas as tristezas e a labuta pesada de quem se dedica a cuidar de pessoas especiais. O equilíbrio é que faz o cinema da dupla tão atraente.

No caso de Mais que especiais há ainda uma cutucada no burocrático sistema da inspeção de saúde francês. O que inspirou o filme é a história real de Stéphane Benhamou e Daoud Tatou, criadores, respectivamente, das associações sem fins lucrativos O silêncio dos justos e Retransmissão.

A inspiração está no trabalho da dupla que, juntos, contratam e treinam jovens e humildes cuidadores para trabalhar ao lado de jovens autistas sob tratamento psiquiatra em instituições médicas oficiais do governo francês. No caso de Bruno (Cassel), o trabalho é ainda mais exasperante. Ele abriga, dando teto e comida, na sua associação pacientes que nem mesmo as instituições oficiais aceitam cuidar, dado o avançado grau de violência e autoviolência desses jovens.

O filme divide-se em quatro blocos dramáticos interligados. Num deles, fiscais do governo investigam o trabalho voluntário e irregular de Bruno e Malik (Reda Kateb), com a clara intenção de puni-los ou interromper esse projeto com mais de 20 anos de existência, e terminam por funcionar na narrativa como uma espécie de ouvido do espectador.

São os inspetores do governo que fazem as perguntas a Bruno e Malik para gerar as respostas que precisamos sobre o funcionamento das duas associações que operam juntas.

Há espaço para a fracassada (em tom cômico) vida amorosa de Bruno, um judeu celibatário ao qual todos os amigos tentam lhe arranjar uma namorada; e também espaço para o drama de um jovem suburbano, o cuidador Dylan (Bryan Mialoundama), que encontra um sentido naquela nova família ao se tornar o responsável do difícil do garoto Joseph (Benjamin Lesieur); e há também a relação paternal de Bruno com Valentin (Marco Locatelli).

Marco Locatelli como Valentin

Valentin foi um de seus primeiros casos, e é a prova viva do avanço no trabalho fora dos padrões (termo, inclusive, que dá o título original do filme) de Bruno e Malik. O fora do padrão praticado pela dupla é, como diz uma das médicas entrevistada pelos inspetores, aquilo que deveria ser observado com mais atenção aqui, pois eles atuam ao lado dos jovens autistas para além dos protocolos médicos. Eles trabalham com a fé de que os especiais podem evoluir, independente do que dizem os resultados científicos.

E, como se sabe, fé não tem preço.

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