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Críticas

Casa de Areia e Névoa

Sonho de alvenaria

Por Luiz Joaquim | 12.09.2018 (quarta-feira)

– publicado originalmente em 24 de Setembro de 2004 no jornal Folha de Pernambuco

Há uma conexão emotiva entre o coronel Behrani, personagem de Ben Kingsley em Casa de areia e névoa (House of sand and fog, 2003), e o seu diretor Vadim Perelman. No filme, Behrani é um iraniano refugiado nos Estados Unidos. Na vida real, Perelman é um publicitário ucraniano refugiado no Canadá e residente na América. Esse laço amarrado entre o cineasta e seu personagem através do sentimento de expatriação
certamente contribuiu para que Casa de areia… achasse seu equilíbrio entre esperança e tragédia.

É claro que a competente atuação, limpa e livre de cacoetes, de Kingsley contribuiu para que ele formatasse o imigrante elegante e altivo que é o coronel aposentando Behrani. Ano passado, Kingsley, a atriz iraniana Shohreh Aghdashloo (que interpreta a
esposa do coronel) e o compositor James Horner, concorram ao Oscar nas categorias, respectivamente, de ator, atriz coadjuvante e canção. Talento da equipe a
parte, o tema da exclusão social é a grande força motriz deste roteiro adaptado por Perelman com Andre Dubus III. Este último, o autor do romance homônimo, um best seller escrito em 1999.

Tão sofrido como o imigrante de Kingsley é a nativa vivida por Jennifer Connelly (Réquiem para um sonho). A atriz também brilha aqui intensamente como Kathy. Ex-alcoolatra e separada do marido há oito meses, Kathy também vive em abandono, num exílio dentro do próprio país. Distante da família e sem amigos, ela retrata claramente a figura urbana que vive limada da sociedade e imersa em depressão. Seu
drama se junta ao do policial Lester (Ron Eldard), pai de duas crianças, frutos de um casamento a beira da separação.

Os dois se conhecem quando Lester vai a casa de Kathy efetuar uma ordem de despejo. A moça está sendo expulsa de casa por ter esquecido de pagar um imposto de 500 dólares a prefeitura. Enquanto tenta recuperar a residência deixada pelo seu pai, uma espécie de último vestígio de uma vida digna, o imóvel entra em leilão por um erro burocrático. A casa é arrematada pelo coronel estrangeiro que também vê na habitação o
princípio da restauração de seu status perdido quando chegou na América e começou a fazer um serviço braçal.

Com um roteiro atado por uma estrutura na qual não é possível medir ou comparar a dimensão do sofrimento entre Kathy e Behrani, o diretor Perelman consegue criar uma excelente situação de injustiça na qual ninguém é culpado e todos são vítimas. E a mise-en-scène, auxiliada pela paisagem natural do norte da Califórnia, dão a atmosfera densa e sufocante que circundam os sonhos dos dois personagens. Quase sempre circundada por forte névoa, a tão disputada casa é a própria representação desse sonho, que por vezes tem a imagem dissipada pela realidade.

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