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Críticas

Indiana Jones e a Relíquia do Destino

Indiana Jones parte em busca de seu tesouro mais sagrado: as grandes emoções

Por Renato Felix | 03.07.2023 (segunda-feira)

Com Harrison Ford prestes a completar 81 anos (em 13 de julho), a idade é um tema inescapável em Indiana Jones e a Relíquia do Destino (Eua, 2023), quinto filme da série do arqueólogo aventureiro. Mais do que os quatro filmes anteriores, este aborda muito o interior do personagem: idoso, prestes a se aposentar como professor, amargando a perda do filho da Guerra do Vietnã e a separação da esposa, ele está na pior. Embarca na aventura da vez, em busca (bem a contragosto) de um artefato criado pelo matemático e inventor grego Arquimedes. Sob as correrias, cenas de ação e momentos de humor, há sempre uma camada de melancolia.

Isso é bom e ruim ao mesmo tempo. É bom porque faz sentido, a história passa a ser sobre o reencontro de Indiana consigo mesmo. O “Indy velho” precisa reencontrar o “velho Indy”. A longa sequência inicial com Ford rejuvenescido digitalmente parece uma estratégia de brindar o público com o “velho Indy” antes de o “Indy velho” entrar em cena pelo resto do filme. Esta boa cena do começo se passa nos dias finais da II Guerra, em um trem em que os nazistas estão levando artefatos culturais e históricos que pilhavam dos países invadidos.

A melancolia permeia a narrativa, mesmo entre as cenas de ação.

Passando para o tempo presente no filme, que é o ano de 1969, Indy torce o nariz pela celebração em torno dos astronautas que pisaram na Lua (“É andar no meio de um monte de nada”), foge a cavalo no meio de uma parada, se mete em uma perseguição de minúsculos carros tuk-tuk em Marrocos, procura uma tumba na Sicília, entre outras peripécias para encontrar a outra metade do artefato de Arquimedes antes de um nazista que agora trabalha para os estadunidenses, personagem de Mads Mikkelsen, que acredita que o objeto tem certos poderes.

Nessa corrida, Indy precisa lidar com a afilhada Helena, vivida bem demais por Phoebe Waller-Bridge, uma personagem a princípio dúbia, mas que a gente já sabe de cara por onde vai. É onde os momentos de comédia estão mais presentes, graças à rabugice do Dr. Jones e a irreverência dela. 

Fazendo um paralelo que pode soar estranho, nisso Indy acaba se assemelhando, curiosamente, ao Tio Patinhas de Carl Barks. O quadrinista criou o personagem como um tio ranzinza do Pato Donald que rejuvenesce em espírito ao participar de aventuras com os sobrinhos, muitas vezes em busca de tesouros históricos. Não por acaso, George Lucas e Spielberg sempre admitiram a inspiração das HQs de Barks nos filmes de Indiana Jones – inclusive em cenas específicas, como a gigante bola de pedra de Os Caçadores da Arca Perdida e o turbilhão de água que inunda uma mina em Templo da Perdição. Agora, é Indy o ranzinza rejuvenescido pela aventura, embora o filme pudesse enfatizar mais isso.

Phoebe Waller-Bridge interpreta a filha de Indiana Jones, trazendo um toque de humor à ação e expandindo a mitologia da franquia.

Dos filmes anteriores, voltam Sallah (John Rhys Davies, 79 anos), o amigo egípcio de Os Caçadores da Arca Perdida (1981) e Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) e Marion (Karen Allen, 71), a namorada em “Caçadores” e em Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008). Essas aparições reforçam o tom de nostalgia do filme, com os personagens fazendo referências aos filmes anteriores, incluindo a reprodução bonita de um diálogo específico. 

Comparar com a trilogia original é covardia. Os três primeiros filmes da série, todos dos anos 1980, são maravilhas do cinema. Não só pelo carisma e pela diversão, mas ali há um Steven Spielberg inspiradíssimo na direção. Revendo esses filmes fica evidente que o cineasta procurou sempre a maneira mais interessante de contar cada sequência, mesmo que fosse uma simples conversa. E não para aparecer como diretor, o público é tão envolvido na história que nem percebe a mão de Spielberg.

James Mangold não é Spielberg, mas é um diretor competente, o que já demonstrou em outros trabalhos – como Johnny & June (2005), o faroeste Os Indomáveis (2007) e a aventura de super-heróis Logan (2017). Então, a direção segue basicamente a trama no que ela necessita para ser narrada, não tem a elaboração especial da movimentação de câmara e também da movimentação dos atores dentro do plano, fora os planos-sequências “invisíveis” que são uma marca de Spielberg.

James Mangold, embora tenha feito um bom trabalho, não exibe a mesma inventividade de Steven Spielberg.

Mangold e os roteiristas Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e David Koepp (com o próprio Mangold), além dos montadores Andrew Buckland, Michael McCusker e Dirk Westervelt, também não têm o poder de concisão de Spielberg e da turma que escreveu e montou os primeiros filmes. Relíquia do Destino tem 2h30, enquanto os filmes anteriores giram em torno das 2 horas de duração – Caçadores e Templo da Perdição tem até menos que isso, o que parece impensável para os blockbusters de hoje.

Então é um erro o espectador chegar a esse filme com a expectativa de reviver tudo o que foi sentido nos três primeiros filmes da série. O quarto, do próprio Spielberg, já não havia conseguido. E o próprio “Relíquia do Destino” se equilibra bem na postura difícil de não querer ser o mesmo filme, mas ainda assim buscar essas emoções de outrora – essas, sim, o grande tesouro sagrado perseguido por Indiana Jones.

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