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Entrevistas

Entrevista: Eli Roth (O Albergue) – 2006

“Eu gostaria que viessem mais filme perturbadores do Brasil”, diz o parceiro de Tarantino em entrevista

Por Luiz Joaquim | 20.10.2019 (domingo)

– publicado em 22 de março de 2006 no jornal Folha de Pernambuco.

SÃO PAULO (SP) – A distribuidora Columbia Pictures está investindo alto no lançamento de O albergue (Hostel, EUA, 2005) no Brasil, que acontece dia 14 de abril (2006). Isso porque, tendo custado menos que cinco milhões de dólares, arrebatou quase 50 desde que estreou nos EUA em janeiro.

Em termos proporcionais, colocou gigaproduções como King Kong e Nárnia no bolso. Na segunda e terça-feira (20, 21 de março), o jovem diretor de O albergue, Eli Roth, esteve em São Paulo e concedeu a entrevista que se segue abaixo.

Este é o segundo longa de Roth, o primeiro, A Cabana do inferno (2002) foi lançado apenas em DVD no Brasil. Na época ele chegou a ser comparado a Sam Raimi, responsável por oxigenar o gênero ‘terror’ nos anos 80 com baixíssimo orçamento em A Morte do Demônio.

Aos 33 anos, pode-se dizer que Roth está a caminho de se tornar um nome forte de filmes medonhos nos Estados Unidos. Dono de um impressionante conhecimento sobre filme dementes, Roth é tão irreverente quanto sua obra, mas a irreverência não está desvinculada de uma visão crítica geopolítica no mundo. Visão presente, inclusive, em O albergue, escrito por ele e sob benção de Quentin Tarantino e Peter Jackson.

Na história, dois mochileiros norte-americanos (Jay Hernandez e Dereck Richardson) estão acompanhados de um islandês (Eythor Gudjonsson) em Amsterdã para se entupirem de drogas e, principalmente, sexo. Quando um estranho lhes descreve um vilarejo na Eslováquia como um paraíso onde americanos “podem pegar mulheres lindas como quem colhe uma maça”, os três partem imediatamente. Chegando lá, o que encontram é o que há de mais macabro e mórbido na natureza humana.

Na sessão para convidados realizada em São Paulo, na segunda-feira (20 de março), duas espectadoras saíram vomitando da sala. Leia a entrevista.

ENTREVISTA: Eli Roth

Há quanto tempo você vem trabalhando em O albergue?”

O albergue foi feito rápido. A Cabine do inferno (primeiro filme de Roth) me tomou oito anos. Para você ter uma idéia, escrevi o roteiro de O albergue em duas semanas e meia, fomos atrás das locações, voltamos aos Estados Unidos, conseguimos dinheiro e iniciamos a produção. Tudo aconteceu em 12 meses.

Percebo uma intenção realista em O albergue. Essa era uma preocupação sua desde o início? Quanto trabalhou no roteiro nesse sentido?

Fico feliz que tenha mencionado isso, pois era o que mais me interessava. Quando mostrei o roteiro a Tarantino (produtor executivo) ele adorou disse que faríamos o filme, mas tínhamos de torná-lo crível. Não num nível documental, mas que parecesse real. Para cada seqüência de tortura que escrevia eu parava e pensava ‘bem, como seria a reação biológica da vítima a isso? Ela sobreviveria? Como reagiria?’. Eu não saberia filmar um estrago de tiro e não queríamos criar um herói de filme de ação que sabe exatamente o que fazer. Nas cenas de tortura queria gente apavorada e gritando o tempo todo ‘por favor, não me mate’. Gosto de interpretações naturalistas e que ao final da projeção o público lembre disso e não em como posicionei a câmera e coisas do gênero.

Onde aconteceram as filmagens, e onde encontrou o elenco estrangeiro de O albergue?

Na República Tcheca, em Praga. E a vila que aparece no filme fica a duas horas de Praga. Todo aquele cenário já estava lá esperando por nós. Nunca estivemos na Eslováquia, como o filme conta. Sobre o elenco, todos os estrangeiros são de Praga. Digo a você que há um fantástico contingente de excelentes atores por lá. E eles fazem muito filme também. É claro que eles não podiam expressar o melhor deles pela barreira do idioma, mas escrevi papeis e diálogos que aproveitavam exatamente essa dificuldade. Acabou que o sotaque forte foi uma vantagem para o papel que faziam. Jan Vaslak, que faz o executivo alemão, é o melhor ator que faz Shakespeare em seu País. Nos o chamávamos de Haniball Vaslak. Barbara Nedeljáková, que faz Natalya, trabalha em Praga, e ela podia ser um bond-girl de tão linda e sedutora.

Ela lembra a Mônica Bellucci…

Sim, nós a chamávamos Baby Bellucci. Achamos inclusive que ela está no nível de Bellucci. Na seleção, entre 400 garotas, nenhuma chegou perto dela. Ela pode ser assustadoramente fria e, logo depois, muito carinhosa. Bárbara já esteve em filmes como Bater ou correr em Londres (com Jackie Chan) mas seu personagem nem tinha um nome porque ninguém trabalha com garotas do Leste Europeu. Foi muito legal descobrir os atores de lá.

O diretor japonês Takashi Miike aparece rapidamente como um milionário sádico. Como o convenceu a participar do filme?

Encontrei Miike quando ele esteve em Los Angeles. Conversamos sobre seus filmes e lhe disse que ele é o mais importante cineasta hoje e que é um pena que apenas seus fãs o conheçam. Miike soube que eu tinha homenageado um personagem de Ichi the killer (de Miike), com arames farpados em A cabana do inferno. Um amigo me apresentou a ele e nossa conversa sobre dirigir filmes foi gravada para ser incluída num DVD. Depois disso eu simplesmente perguntei se ele participaria de O albergue e ele concordou na hora. Foi simples assim. Ele foi muito gentil. Viajou nove horas do Japão para fazer uma aparição no filme.

Miike discutiu o roteiro de O albergue com você?

Não. Ele não tinha a menor idéia do que se tratava. Ele não fala uma palavra em inglês, mas apareceu lá, disse sua fala ao seu jeito – ‘Cuidado, você pode gastar todo seu dinheiro lá dentro’ – e foi ótimo.

Audition (de Miike) foi uma inspiração para O albergue?

Demais, demais. Adoro o sexismo em Audition. Temos ali um cara que você sente pena por ele, mas depois você percebe que ele é um sexista. Temos isso também em O albergue. Além disso, Audition é lindamente fotografado e interpretado. Como em Audition, no nosso filme tudo é feito em seu tempo. Isso às vezes chateia o público, mas quando a ação acontece o choque é maior. Não quero impacientar o público mas sim levá-los, aos poucos, a gritar e ficarem aterrorizados. Adoro como Audition não põe limites para a violência e tudo é muito realista.

Já eu não consigo lembrar de outro filme tão violento quanto Ichi the Killer.

Sim, mas Ichi The Killer é como um cartoon. Eu adoro, mas quando um cara é rachado em duas partes é como ver um desenho animado.

Joaquim (e) querendo saber mais do Eli Roth sobre a presença do Miike em “O Albergue”

Em casos assim, o público acaba rindo de uma coisa que é séria.

Sim. Às vezes as coisas são tão assustadoras que as pessoas não conseguem evitar o riso. Pessoas riem em funerais, riem quando não suportam a pressão. É um escape para aliviar a tensão. Em O albergue, na seqüência em que Josh é torturado ninguém ri, porque ficam putos sabendo que ele vai morrer. Já na seqüência do olho, pessoas riem, outras aplaudem. Na projeção de ontem (20 de março) soube que duas garotas saíram da sala e vomitaram. Essa é uma história que vou contar várias vezes (risos).

Quais suas impressões sobre os J-Horrors (terror japonês do tipo O chamado) e os remakes norte-americanos?

Acho que as refilmagens de J-Horrors são como uma perua estacionada na garagem na qual todo mundo tá pegando carona. Agora, tenho uma sensação que o público está cansando. Veja Águas negras (de Walter Salles). Todos estavam tão excitados com Diários de motocicleta e, uh, vamos ver Águas negras, mas, ei, já temos uma versão original maravilhosa de Águas negras, por que queremos ver outra versão? Eu preferiria ver um novo e original filme de Salles. Mas refilmagem pode ser interessante. Nos anos 60, Drácula e Frankenstein eram muito refeitos para os estúdios da Universal, e continuaram nos anos 70 como Invasores de corpos, original dos anos 50, ou os filmes de John Carpenter. Refilmagens podem ser ótimas quando se tira algo novo. Cópias são uma porcaria. O problema é como filmes têm sido feitos em Hollywood. A psicologia é a seguinte: eles não fazem um filme pensando que pode ser um sucesso, eles o fazem pensando que não irá falhar.

O que acha da obra de Zé do Caixão (José Mojica Marins)?


Os americanos adoram ele. Eu gostaria que viesse mais filme perturbador do Brasil. Eu adoraria filmar um terror na Amazônia. Sabe…. Cidade de Deus é impressionante. É perturbador, mas um lindo filme. Tem tanto material bom para um filme de horror nesse país. Eu torço para que o governo, ou seja lá quem dê suporte a cineastas, tenha essa visão. Eu nem penso que se precise de muito dinheiro. Bastaria que alguém pegasse uma câmera e saísse pra rua pra filmar uma coisa muito fudida e aterrorizante. Bom… todo mundo conhece Zé do Caixão. É um ícone do horror e mesmo assim demorou muito para os filmes dele saírem em DVD.

Mesmo no Brasil, ele não recebe o valor que merece.

Mas não é só aqui. Há muitos assim no meio dos filmes de horror.

O material de divulgação da Sony Pictures “vende” seu filme como um thriller quando na realidade é um filme de terror. Para mim são coisas distintas, certo?

Sim. Um filme de horror para mim não precisa ter monstro. Audition é um filme de horror, além de ser um drama um questionador social. São filmes devastadores que penetram na sua mente e ficam lá por meses, anos. Se ele te assustar novamente, mais na frente, este é um filme de horror. Salô: 120 dias de Sodoma, de Pasolini, é um filme de horror. Já um filme que tem um começo, meio, reviravolta e fim, e que te assusta durante a projeção mas não após o final, então esse, para mim é um thriller. Mesmo os de Hithcock. Eles são fantásticos, mas quando os assiste novamente você não tem tanto medo. Thriller não te dá pesadelo, filme de terror sim. O que acontece é que os estúdios estão sempre chamando os filmes de thrillers para parecer mais inteligente. Quando querem ganhar Oscar, eles chamam O sexto sentido de ‘um thriller sobrenatural’. Funcionou com o Silêncio dos inocentes, ele levou todos os Oscars. Fizeram isso até com Jogos mortais que é claramente um filme de terror.

Você sente falta hoje de filmes como O homem de palha ou A sentinela dos malditos feito nos anos 70? Porque não vemos mais filmes assim?

Amo O homem de palha e ele está sendo refilmado agora por Neil LaButte. Acho que vai ficar legal. Aquele cara é doido da cabeça. Se viu Na companhia de homens sabe do que estou falando. O homem de palha original, até mesmo para os padrões do cinema britânico na época, era radical. A questão é que nos anos 70, os filmes eram feitos por cineastas, e os executivos dos estúdios gostavam de filmes. Os diretores puderam experimentar e fizeram daquela década uma época dourada. Hoje os estúdios são dominados por corporações que nada sabem sobre cinema. Tudo o que eles fazem são pesquisas, e os testes ditam as regras. Vejam o caso de Sr. e sra. Smith, passou por vários testes e foi refilmado várias vezes. E os filmes de novos realizadores, como o meu e o de Richard Kelly (Donnie Darko), ou como Jogos mortais 1 e 2, como Madrugada dos Mortos, foram todos feitos com menos de cinco milhões de dólares, e aí podemos ser loucos experimentando como quisermos. E digo que os fãs de horror estão cavando por isso e cansados de ver a mesma merda dos grandes estúdios.

Você está hoje envolvido com quatro projetos: Scavenger hunt, The box, The bad seeds, e uma seqüência para O albergue, o que virá primeiro?

O albergue 2, mas talvez eu interrompa o projeto no meio para fazer outro filme e depois volte para ele que virou uma paixão. Depois de O albergue 2 devo fazer Cell. O IMDB está desatualizado, não tem essa informação. Cell é baseado na obra de Stephen King. Certamente será demente pra cacete! Vai ser meu primeiro filme com orçamento alto, será uns 34 milhões. Você já leu o livro? A premissa é que todos, no planeta, que estiverem usando celular vão ficar loucos, atropelar uns aos outros, cortar a garganta do vizinho. Será como um apocalipse pelo celular. Essa é a abertura do livro. É uma premissa muito esperta e um comentário muito bom a respeito de nossa dependência por celular. E um filme assim tem de ter um bom orçamento. Vou querer mostrar cidades em chamas, acidentes de automóveis, gente nos restaurantes e cinemas esfaqueando umas às outras, isso no mundo inteiro. Estou louco para ver como vai ficar. Mas para Hollywood, 34 milhões é pouco e por esse valor eles vão deixar eu fazer o que quiser. Produções de 5 milhões de dólares, como O albergue, eles nem computam. Por isso acho que alguém se fudeu em Hollywood porque tenho certeza que eles se reuniram numa manhã de domingo para se perguntarem ‘como esse cara fez um filme sem nenhuma estrela, ultraviolento, e arrecadou, proporcionalmente, mais dinheiro que King Kong e Nárnia? Eu queria ter visto a cara deles (risos).

(*) Luiz Joaquim viajou a convite da Columbia Pictures

Filme visto no Cine Shopping Morumbi (SP), sala 2, em 20-março-2006

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